Enganados pela composição
Marcas e Empresas

Enganados pela composição


A composição faz com que as coisas pareçam maiores do que são. Fonte da foto:  horlo
(Fooled by Compounding)
R. David McLean
Journal of Portfolio Management. Inverno. 2012

Todos os que estudam o mercado acionário já devem ter se deparado com a seguinte história: tire os dez maiores retornos do mercado e veja o rendimento de longo prazo cair miseravelmente, indicando que um pequeno número de observações é que acaba por definir o desempenho das ações. Especificamente, Taleb (2008) examinou o S&P 500 no período entre 1955 e 2005. US$ 1 investido em 1955 se converteria em US$ 191, mas, excluindo os dez dias de maior retorno, seria apenas US$ 112, uma perda de exatos US$ 78,92. Ou seja, aproximadamente quarenta porcento (mas pode arredondar para metade como faz Taleb) do retorno do mercado se deve apenas a esses dez dias. 10 dias valem tanto quanto 50 anos.

O que McLean argumenta é que análises desse tipo enganam pela composição, parafraseando título de outro livro do autor supracitado. No artigo, o autor basicamente expõe as falhas do Buy-and-Hold Average Return (BHAR) para cálculo de retornos anormais (acima da referência), havendo um erro comum com a análise do primeiro parágrafo que é a falácia da composição, que faz com que as coisas pareçam maior do que são. O exemplo base é a de um evento que produz retorno anormal de 1% em dado mês, com a referência rendendo 1%. Em um ano, mesmo que não haja mais retornos acima do índice, o retorno anormal medido pelo BHAR será de 1,12%. Em cinco anos, será de 1,80% e para, para chutar o balde, será 387,71% em cinquenta anos. Isso tudo sendo que o retorno anormal só ocorreu no primeiro mês e nunca mais voltou a acontecer. O problema dessa abordagem é que o retorno anormal inicial é capitalizado com juros compostos, que incidirão sobre a parcela normal e também sobre a que excedeu a referência, fazendo com que o ganho acumulado seja cada vez maior em relação à referência.

No caso da análise do primeiro parágrafo, excluir os dez pregões remove o desempenho desses dias, mas também seu efeito composto nos demais. O efeito isolado dos dez melhores pregões é de 55%, que é pouco dentro da alta de 19.000% no período. Ou seja, remover os dez pregões por si só representariam uma perda de US$ 0,55, que é o ganho somado dos retornos independentes desses dez pregões. Não há dúvida que se por algum azar da natureza o investidor saísse do mercado justamente nesses dez dias e sua perda seria de 78,92, porém, a quase totalidade dessa perda se deve ao efeito composto dos demais períodos. Uma maneira de observar isso é que não há "pulos" anormais no gráfico de evolução dos retornos com ou sem esses dez pregões e o desenho do gráfico é quase idêntico nos dois casos, com a exceção de que um vai mais longo do que o outro.

Outro ponto é que é possível excluir os 10 piores pregões para analisar a mesma questão. O valor da carteira sem os melhores e os piores pregões é de US$ 253. Se os dez melhores pregões respondem por metade do retorno de mercado, como seria possível criar uma carteira muitíssimo melhor mesmo sem essa metade? Claro que os dez maiores retornos são relevantes e de elevada magnitude, sendo mais de cinco vezes o desvio-padrão. Mandelbrot e Taleb (2006) argumentam que a análise mostrava que esses dez pregões não são outliers, desvios anormais, e sim que são observações normais e que o foco do estudo dos retornos deveria ser nesses retornos extremos. O que se observa é que essas observações são sim outliers, que ocorrem com maior frequencia do que a distribuição normal sugere (o que se sabe há décadas), mas que sua importância é exagerada quando se mostra o gráfico acima.

Há duas metodologias substitutas ao BHAR. A primeira é o CAR (Retorno Anormal Acumulado), que é a soma dos retornos anormais; a segunda é AAR (Retorno Anormal Médio), que é a média dos retornos anormais. Retomando ao exemplo base do segundo parágrafo, o CAR é 1% (1% mais vários zeros) e o AAR é decrescente. E é esperado que o retorno anormal médio seja decrescente ao invés de crescente. Para isso, basta considerar que estamos analisando um fundo de investimentos que gera valor apenas no primeiro mês. Se o investidor sair logo no primeiro mês, irá obter um ótimo retorno para o tempo que permaneceu no investimento. Porém, como o fundo não gera valor, o retorno em função do tempo irá piorar. O investidor continuará com seu dinheiro aplicado no fundo, mas não vai ganhar nada acima de sua referência, e o retorno anormal inicial parecerá cada vez menor conforme o presente se afasta temporalmente do início. Em dez anos, o AAR é de 0,01%. Faz muito sentido atribuir ao hipotético fundo um desempenho anormal de 0,01% do que de os 3,27% do BHAR.

Uma justificativa para utilizar o BHAR é a de que esse método melhor examina a situação de um investidor de verdade, porém, a situação seria a mesma se o investidor aplicasse no primeiro mês e depois migrasse para a carteira de referência.

Dessa forma, é necessário tomar cuidado com a composição dos juros na hora de examinar uma questão. Para análise de retornos anormais, não é adequado utilizar a composição (BHAR). Também, atribuir a um pequeno número de observações um enorme peso é confundir os retornos dessas observações com a capitalização das mesmas. Adicionalmente ao que se discutiu, incluo que, ao analisar o desempenho de um investidor ou fundo na comparação com o mercado, incorre-se no mesmo erro de composição ao utilizar diferentes janelas de tempo. Por exemplo, um fundo que renda sempre 2%, o dobro do mercado, terá desempenho mais de 3 vezes melhor do que o mercado em dez anos. Em quinze anos, será quase seis vezes maior. No entanto, o retorno é só duas vezes maior, o resto sendo devido à capitalização desses retornos. A habilidade do gestor ou investidor é de obter retornos duas vezes maior, o que já seria excelente (bom demais para ser verdade?), mas não três ou seis vezes mais. Dessa forma, é necessário ter cautela ao examinar retornos de fundos em prazo muito longo. É capaz que grande parte do retorno (devido à composição) se refira a um período, e quem entrou depois não irá obter esse retorno. Se for possível efetuar, cálculo de AAR ou CAR ajudaria a ter uma melhor ideia da atratividade de investir no fundo do que o BHAR.

Outros erros matemáticos difíceis de perceber já analisados aqui são: usar valor futuro ao invés de valor presente (ver aqui) e usar taxa interna de retorno quando o certo seria a média (aqui).



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