Estratégia e Sociedade
Marcas e Empresas

Estratégia e Sociedade


(Strategy and Society – Harvard Business Review, dezembro 2006)
(Creating Share Value: How to reinvent capitalism – and unleash a wave of innovation and growth – Harvard Business Review, janeiro/fevereiro 2011)
Michael Porter e Mark R. Kramer

Os autores analisam nesses dois artigos a questão da responsabilidade social corporativa (RSC). No primeiro (Estratégia e Sociedade), começam com duas críticas às práticas de RSC do modo como são atualmente executadas: a primeira é que colocam (ou admitem que coloque-se) a empresa contra a sociedade (quando, na verdade, há uma interdependência) e a segunda é que essas práticas são adotadas de forma genérica e desconectada da estratégia da empresa. Uma característica desses artigos (e que será desse resumo também) é a de utilizar termos bem familiares de estratégia corporativa na análise da RSC.

A tese desenvolvida nos dois artigos é a de que práticas de responsabilidade social podem ser analisadas da mesma maneira que outras decisões estratégicas (não coincidentemente, com as técnicas desenvolvidas por Porter em trabalhos anteriores) em busca de vantagem competitiva sustentável e dessa forma criar valor compartilhado. Esse conceito parte do “valor” (diferença entre benefícios e custos) e é definido (no segundo artigo) como “políticas e práticas operacionais que aumentam a competitividade de uma empresa ao mesmo tempo que melhoram as condições socioeconômicas nas comunidades em que a empresa atua”. Ainda no segundo artigo, os autores justificam o valor compartilhado argumentando que “ao conectar melhor o sucesso da empresa com o progresso da sociedade, abre muitas maneiras de atender a novas necessidades, ganhar eficiência e expandir mercados”. O foco dos autores não é o de limitar a geração de valor econômica e sim reconciliar a geração de valor econômico e a geração de valor social. Não se trata apenas de partilhar valor já gerado, e sim aumentar os benefícios ao menor custo possível. A RSC passa a ser um elemento de ambiente interno e externo que passa a influir as decisões de posicionamento e configuração da cadeia de valor da empresa.

As duas críticas sobre a RSC são desenvolvidas na análise dos quatro argumentos dos proponentes da RSC: o da obrigação moral (“as empresas devem fazer a coisa certa”), o da sustentabilidade, da licença para operar (as empresas devem de permissões implícitas ou explícitas por parte de governos, das comunidades ou de outros stakeholders para funcionarem) e da reputação (empresas devem praticar RSC para melhorar sua reputação e ganhar com isso). As críticas dos autores comuns aos quatro argumentos são de que essas justificativas focam na tensão, não na interdependência, entre empresas e sociedade, não são úteis para ponderar custos e benefícios, entregam para terceiros as decisões de RSC e não mostram conexão com outras decisões da empresa. RSC, nesse ponto de vista, é apenas relações públicas e controle de danos guiados por pressões externas. Além disso, o argumento da reputação não tem uma corroboração empírica conclusiva.

O ponto de partida da abordagem dos autores é analisar melhor a relação entre empresas e sociedade enfatizando a interdependência. Fatores internos da empresa (a cadeia de valor) afetam a sociedade e fatores externos (mostrados no Modelo Diamante de Porter) afetam a empresa, esses efeitos podendo ser expressos em termos de custos maiores ou menor produtividade. Com base nisso, as questões sociais podem ser classificadas em três tipos: causas genéricas (não estão diretamente ligadas à empresa), impactos na cadeia de valor (questões afetadas pelas atividades empresa na forma de pontos fortes e pontos fracos) e dimensões sociais do contexto competitivo (questões que afetam a empresa na forma de ameaças e oportunidades). O critério de escolha da questão social a ser abordada é a do valor compartilhado, qual questão a empresa tem maior capacidade e competência para gerar valor compartilhado, beneficiando a empresa e seus stakeholders. A empresa pode agir de duas formas: responsiva (como é mais feito) ou estrategicamente (o que os autores sugerem). Agindo estrategicamente, procura um posicionamento único que diferencie a empresa e permita abaixar custos ou oferecer produtos que melhor satisfaçam as necessidades do consumidor. RSC estratégica opera através da mudança na cadeia de valor (algo que seria melhor desenvolvido no segundo artigo) ou de filantropia estratégica voltada para o contexto competitivo. Por fim, a empresa pode adicionar uma “dimensão social” à proposição de valor, como fez a Whole Foods, no exemplo dos autores.

O segundo artigo foca na questão de como gerar valor compartilhado, de três maneiras: reconcebendo produtos e mercados, redefinindo a produtividade na cadeia de valor e montando clusters setoriais de apoio nas localidades da empresa. A primeira maneira consiste em buscar atender necessidades que não são atualmente satisfeitas, seja por terem sido ignoradas (como é o caso da “base da pirâmide”, bilhões de clientes em países emergentes conforme a “tese convincentemente articulada” por C.K. Prahalad) seja por serem emergentes (necessidade de economizar energia na atual onda de sustentabilidade, por exemplo). Pode se tratar ou de explorar (no bom sentido) novos mercados ou de oferecer novos produtos a mercados existentes.

Ao longo do primeiro artigo, os autores falavam em reconfigurar a cadeia de valor. No segundo, explicam mais sobre como isso é feito dentro do conceito de valor compartilhado. Os autores citam exemplos de empresas que modificaram a logística (reduzindo o gasto de energia e a emissão de gás carbônico), reduziram o consumo de recursos (água, no exemplo), mudaram o processo de compras (passaram a comprar de fornecedores locais, investindo para aumentar a produtividade, se for o caso), ampliaram a distribuição (chegando a lugares antes negligenciados por meio de empreendedores locais), aumentaram a produtividade dos trabalhadores (com investimentos em qualidade de vida no trabalho) e passaram a localizar fábricas mais próximas do mercado (diminuindo custos de energia e aumentando os laços com a comunidade).

A terceira maneira de gerar valor compartilhado é investir nos clusters locais. Para que funcione produtivamente, a empresa depende de uma série de fatores externos, que podem estar servindo como um empecilho para a empresa. Uma forma de criar valor para si e para outros é investir (isoladamente ou em conjunto com outras partes interessadas) para resolver deficiências estruturais como logística, fornecedores, canais de distribuição e educação e treinamento, o que beneficiar a empresa e a outros (poderíamos chamar isso de externalidade positiva).

No que diz respeito ao objetivo das empresas, essa discussão não altera muito análises anteriores. Os dois artigos agora comentados compartilham com outro a ideia de que o objetivo da empresa é criar valor. O conceito de “valor compartilhado” enfatizar que o sucesso da empresa é determinado pela capacidade da empresa de satisfazer a necessidade de partes que interagem com a empresa (clientes, trabalhadores, comunidade etc.), mas, sem o recurso desse termo, o outro artigo desenvolve as mesmas ideias. A contribuição de Porter e Kramer é articular estratégia, responsabilidade corporativa e o propósito da empresa de gerar valor.



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