Religião e decisões financeiras
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Religião e decisões financeiras


(Religious beliefs, gambling attitudes, and financial market outcomes)
Alok Kumar, Jeremy K. Page e Oliver G. Spalt
Journal of Financial Economics. Volume 102. pg. 671-708. 2011

Anteriormente, escrevi sobre um artigo que analisava os fatores sócio-demográficos que explicam o investimento em ações-loteria, aquelas com elevada volatilidade, elevada obliquidade e baixo preço (sim, pode chamar de “mico” se quiser). Um dos fatores considerados pelo autor do estudo (Alomar Kumar, coautor do artigo que será analisado aqui) foi a religião, investidores em regiões com maior presença de católicos mostrando maior tendência a investir nessas ações. Chamei na ocasião o fato de “curioso” e escrevi não saber o porquê disso. Foi constatado em pesquisas anteriores (referenciadas no artigo) que católicos apostavam mais em loterias e o a hipótese do autor era que isso poderia levar a maior investimento em ações-loteria. Esse artigo mais recente focou nessa variável e examinou também o impacto da religião na concessão de stock options para não executivos e no retorno inicial das IPOs. Stock options para altos executivos deveria ser um incentivo para melhor desempenho já que o efeito do esforço maior se refletiria no preço das ações, mas esse efeito é mais duvidoso para níveis gerenciais inferiores, além de expor essas pessoas ao risco da variação das ações. Por essa razão, maior procura por stock options por não executivos seria uma prática parecida com a procura por jogos de azar. IPOs possuem algumas características de ação-loteria como as elevadas volatilidade e obliquidade, de forma que maiores retornos podem vir a ser associados com uma busca por jogatina.

Além das pesquisas anteriores sobre o efeito da religião na aposta em loterias, os autores argumentam que os protestantes têm uma visão mais contundente a respeito do malefício dos jogos de azar, enquanto que os católicos são mais tolerantes e condenam eventuais excessos, chegando a utilizar de jogos de azar como forma de arrecadar fundos para caridades (em bingos e rifas, por exemplo). A análise é em nível regional (county-level) e quatro variáveis foram empregadas: REL (religiosidade da região), CATH (proporção de católicos), PROT (proporção de católicos) e, a mais importante, CPRATIO (CATH/PROT indicando a razão entre o número de católicos e de protestantes na região).

Primeiro, os autores reexaminam estudos anteriores sobre a relação entre loterias e religiosidade. Em análises univariadas, descobriram que nas regiões com maior proporção de católicos há mais loterias, o inverso ocorrendo nas regiões com maioria protestante e em regiões com mais loterias a relação CPRATIO sendo maior. Ainda, regiões com mais católicos introduzem loterias estaduais mais cedo. Esses resultados são confirmados em análises multivariadas que procuram controlar por outras variáveis que poderiam explicar o comportamento das pessoas em relação às loterias.

Logo, para jogos de azar em geral há a relação descrita em estudos anteriores. Os autores passam a testar as suas hipóteses. A análise começa com testes univariados, sendo constatado que a alocação em ações-loteria por investidores institucionais e individuais é maior em regiões com mais católicos. O valor das stock options (precificadas pelo Black-Scholes) é maior em regiões com mais católicos, assim como o retorno no primeiro dia das IPOs locais. Por enquanto, tudo em linha com as hipóteses iniciais.

As análises multivariadas começam examinando a relação entre religiosidade local e alocação dos investidores institucionais em ações-loteria. Foram examinados inicialmente apenas as instituições pequenas e médias, que possuem maior poder discricionário para poder se deixar levar por eventuais vieses. Os resultados indicam haver relação positiva e significativa entre CPRATIO e a alocação em ações-loteria, o resultado se mantendo considerando IPOs recentes como ações-loteria. Analisando apenas as grandes instituições, não há essa relação, confirmando que era a melhor escolha excluir essas instituições nas análises principais. Separando em subamostras, a relação é mais forte para instituições menos diversificadas e mais agressivas (que não sejam bancos ou seguradoras). A relação não insignificante para instituições que procuram indexar a carteira e é negativa para bancos e seguradoras (que devem alocar menos em ações em geral, não só em ações-loteria). No último trimestre do ano, aumenta a propensão a investir em ações-loteria nas regiões com maior proporção de católicos, já que, para mostrar bons resultados anuais, as instituições podem querer correr mais risco no final do ano (não dá para saber pelos resultados apresentados são gerais ou dependem da religiosidade local).

A próxima análise é a respeito da relação com a concessão de stock options. Usando variáveis parecidas com aquelas utilizadas da análise multivariada anterior, os autores encontram relação positiva entre CPRATIO e o valor das opções. Separando em subamostras, os resultados são mais fortes quando a empresa emissora possui ações mais voláteis, são menores e há maior participação dos investidores (usando elevada renda e educação como aproximação) na região em que a empresa se localiza. Ou seja, há maior emissão de stock options em localidades onde há maior propensão a jogos de azar.

Na próxima parte, os autores analisam os retornos das ofertas iniciais. Controlando por outras variáveis que foram identificadas como tendo relação com os retornos iniciais, os autores determinam que a proporção de católicos e de protestantes de uma região influencia os retornos iniciais das ofertas de empresas da mesma região, além do giro das ações no primeiro dia. Isso, porém, necessita que haja grande viés local dos investidores, de outra forma a relação apresentada não faria muito sentido. Os autores então passam a buscar considerar o viés local (a propensão a investir nas ações de empresas com sede no país do investidor, ou, nesse caso, na região) e também a participação dos investidores no mercado. A análise em subamostras revela que o efeito da religião local nos retornos é maior nas regiões com maior participação dos investidores e maior viés local, fracionando a amostra levando em conta um ou os dois fatores simultaneamente. Ainda, o efeito da religião é maior para as ações de menor preço, para as ofertas menores e com alto giro no primeiro dia. Isso tudo confirma os efeitos locais no retorno no primeiro dia.

Por fim, os autores analisam os retornos de longo prazo das ações (loteria e não loteria). São incluídas diversas variáveis de controle incluindo a religiosidade local. O principal resultado é que as ações-loteria em regiões com alto (acima da mediana) CPRATIO possuem um retorno menor, mesmo já considerando o fato da ação ter características de loteria. Esse resultado inferior pode se dar por um excesso de procura por essas ações que leva o preço para além do que seria explicável pelo risco da ação, talvez porque os investidores aceitem pagar mais e ter um retorno esperado inferior para terem a probabilidade (mesmo que baixa) de elevados retornos.

Ao longo do artigo, foram mostrados diversos testes de robustez examinando se mudanças na metodologia modificam os resultados. Essas mudanças incluem: modificação na definição de ação-loteria; utilização do diferencial de proporção de religiosidade ao invés do CPRATIO; inclusão de judeus e mórmons (os primeiros junto com os cristãos e o segundo com os protestantes); separação da amostra em subperíodos; exclusão de algumas regiões; e controle por variáveis adicionais no nível regional (para certificar-se de que os resultados encontrados se devem às variáveis empregadas e não a fatores regionais não considerados), como as preferências políticas (votação no partido republicano ou democrata), o capital social (participação das pessoas em atividades comunitárias) e confiança (com base em perguntas sobre a confiabilidade das pessoas). Os resultados são robustos a mudanças na metodologia, se mantendo razoavelmente constantes.

Em resumo, o artigo indica mais um fator que determina o perfil do investidor além daqueles usualmente citados (renda, idade, estado civil etc.), mostra como o ambiente social afeta as decisões econômicas (já que a análise não é ao nível pessoal, e sim regional) e o retorno das ações e aprofunda o entendimento sobre as ações-loteria/micos. Não há nem de minha parte nem da parte dos autores nenhum julgamento de valor sobre qualquer religião.



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