Start-ups, o Brasil na rede global
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Start-ups, o Brasil na rede global


Empresas como Peixe Urbano, Netshoes, Viajanet e Dafiti são protagonistas de um movimento inédito de internacionalização de companhias digitais brasileiras

O carioca Júlio Vasconcellos e seus sócios, o americano Alex Tabor e o também brasileiro Emerson Andrade, ficaram espantados com a rápida repercussão alcançada pelo pequeno site que criaram, em março de 2010, no Rio de Janeiro. Batizado de Peixe Urbano, a empresa inaugurou o setor de compras coletivas no País e se tornou, num piscar de olhos, uma das start-ups mais conhecidas – e bem-sucedidas – da internet brasileira. Em apenas dois anos, o Peixe Urbano conquistou cerca de 20 milhões de usuários cadastrados, emprega mais de mil funcionários e teve uma receita estimada de R$ 450 milhões em 2011. O início promissor despertou a atenção de investidores, como a Benchmark Capital, que já fez aportes no Twitter, eBay e LinkedIn, além da General Atlantic, responsável por investimentos no Facebook e no Mercado Livre.

 Júlio Vasconcellos, Peixe Urbano: "Queremos conquistar a liderança em cada um dos países nos quais atuamos".

A musculatura adquirida já nos estágios iniciais do negócio permitiu ao Peixe Urbano lançar-se na rede global das start-ups. Em março do ano passado, a companhia começou a operar na Argentina e, em agosto, no México. Hoje, sua bandeira está fincada também no Chile, Peru e Colômbia, o que significa a atuação em cinco países, além do Brasil. O início das operações nos mercados colombiano e peruano se deu com a aquisição do rival espanhol Groupalia, em março. “Nesse período, consolidamos nossa liderança no Brasil e ampliamos bastante a participação na Argentina, no México e no Chile”, afirma Vasconcellos.

“Queremos conquistar a liderança em cada um dos países nos quais atuamos.” O Peixe Urbano é o caso mais emblemático de uma inédita onda de internacionalização de start-ups brasileiras, um movimento estimulado pelo fortalecimento da economia nacional e o desenvolvimento do mercado digital, que tem atraído verba graúda de fundos de investimentos estrangeiros para o País. Embora seja o caso mais destacado dessa tendência, em função do porte e do ritmo acelerado de expansão, o Peixe Urbano está longe de ser o único a avançar fronteiras. Atualmente, ao menos 25 empresas pontocom nacionais já iniciaram ou planejam começar em breve suas operações internacionais. É o caso das lojas virtuais Netshoes e Dafiti, além da Viajanet, de venda pela web de pacotes turísticos, e do grupo de comércio eletrônico Buscapé.

 “Além de surpreendente, esse movimento reflete o grau de maturidade do mercado brasileiro de internet”, afirma Sherban Cretoiu, coordenador do Núcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. O ponto de partida para entender a tendência é analisar o boom de start-ups no Brasil. Apenas no ano passado, por exemplo, mais de duas mil empresas desse tipo foram abertas no País, mais de três vezes o número computado em 2009, segundo dados do Instituto Inovação, entidade de fomento ao empreendedorismo, de Belo Horizonte. Nunca houve algo parecido por aqui. “O Brasil é a grande tendência hoje no mercado online”, afirmou recentemente o investidor russo Yuri Milner, que detém participações no Facebook e na Zynga.

 Clientes americanos: Ci&T, do empresário César Gon, vende softwares para empresase extrai 40% do faturamento do Exterior, principalmente dos EUA.*

“Veremos grandes empresas da área digital vindas do País nos próximos anos.” O bom momento do setor é atestado pelos dados do Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da FGV-Eaesp. Segundo a pesquisa, os ativos sob gestão no País saltaram dos US$ 6 bilhões, em 2004, para US$ 43 bilhões, em 2010. E só o montante destinado às empresas iniciantes da área de tecnologia e web superou os US$ 750 milhões em 2011, ante os cerca de US$ 300 milhões obtidos entre 2005 e 2008. Para este ano, o mercado dá como certo o rompimento da marca de US$ 1 bilhão. O dinheiro dos investidores é o combustível que faz a roda girar, mas não é tudo. O capital humano é tão importante quanto o apoio financeiro internacional. E, nesse quesito, o ambiente no Brasil também é favorável.

 Um estudo recente da Endeavor, organização global de apoio aos novos empresários, revelou que 65% dos universitários brasileiros desejam ter um negócio próprio no futuro. De acordo com o Banco Mundial, o Brasil já é o terceiro país mais empreendedor do mundo, atrás só dos EUA e do Reino Unido. Em outras palavras, isso significa que, aos poucos, o País vai se transformando numa nação de empreendedores, o que é diretamente influenciado pelas oportunidades apresentadas pelo mercado digital. É nesse contexto que se dá a internacionalização das start-ups, como a Dafiti, loja virtual de produtos de moda. Fundada no segundo semestre de 2010, em São Paulo, a empresa montou operação própria na Argentina e no Chile e prepara-se para chegar ao México e à Colômbia nos próximos meses. Com o pé lá fora: Romero Rodrigues, CEO do Buscapé, vê grande potencial de expansãodo comércio eletrônico nos países vizinhos.*

A companhia tem como sócios o brasileiro Philipp Povel, o francês Thibaud Lecuyer e os alemães Malte Horeyseck e Malte Huffmann, que montaram a empresa com aporte inicial da incubadora alemã Rocket Internet. Até hoje, a Dafiti recebeu cerca de R$ 50 milhões de investimento. Esse montante foi crucial para que os quatro empreendedores conseguissem transformar a companhia num dos maiores varejistas online do País, com receita estimada de R$ 200 milhões em 2011. O francês Lecuyer não confirma o dado de faturamento, mas diz que ele e seus sócios vão ficar desapontados se apenas dobrarem as vendas neste ano. Para acelerar a expansão, a Dafiti já começa a desbravar novas categorias de produtos, como itens de cama, mesa e banho, além de objetos de decoração e produtos de perfumaria e cosmética.

 Alianças externas: A Viajanet, dos empresários Bob Rossato (à esq.) e Alex Todres, quer crescer na América Latina por meio de parcerias com empresas locais.*

 “Nossa meta é ser a maior loja de e-commerce do Brasil e em todos os países onde atuarmos em até três anos”, diz Lecuyer. Essa é uma das razões que tornam a expansão internacional uma peça central na estratégia da empresa. “Já temos uma marca forte no Brasil, o que nos fez conhecidos em alguns países vizinhos”, afirma Lecuyer. “Não haveria razão para não aproveitar a oportunidade da internacionalização.” Se a Dafiti avança no Exterior por meio de operação própria e o Peixe Urbano por meio de aquisições, a Viajanet, agência online de turismo, tem optado por fechar parcerias com companhias estrangeiras em suas incursões latino-americanas. A empresa, que está presente na Venezuela e no México desde 2011, tem uma equipe de 200 pessoas, 30 delas fora do Brasil.

No ano passado a Viajanet obteve R$ 200 milhões em vendas, valor que deve dobrar até o fim deste ano, quando pretende iniciar operações na Argentina e Colômbia. “A ideia de estar em outros mercados da América Latina existe desde o primeiro dia da companhia”, afirma Alex Todres, sócio da Viajanet, fundada em 2009. O plano contrasta com a tradição do setor digital do País, que sempre voltou os olhos para o consumo interno. Nesse aspecto, o argentino Mercado Livre é um exemplo para as start-ups nacionais. “O mercado nacional é muito grande”, afirmou à DINHEIRO em fevereiro Marcos Galperín, fundador e CEO do Mercado Livre. “Acredito que alguns empreendedores brasileiros, fascinados com esse gigantismo, demoram a enxergar o restante da região”, diz.

 Formiga lucrativa: Guilherme Schvartsman e sua equipe na Best Cool and Fun criaram um game que já rendeu US$ 3 milhões.*

Lançado no país vizinho em 1999, o Mercado Livre mira o Brasil desde o início de suas operações. “Para nós, sair da terra natal não era uma opção, e sim uma obrigação”, afirmou Galperín. “Sempre soubemos que, para ter relevância, precisávamos fazer sucesso no País.” A estratégia tem se mostrado eficiente: o Mercado Livre é a única start-up da América Latina com ações na Nasdaq, a bolsa de valores das empresas de tecnologia nos EUA, e está avaliada em cerca de US$ 4 bilhões. Uma das raras exceções à falta de ambição internacional que caracterizava o País no passado, como observou Galperín, é o Buscapé, um dos veteranos da internet brasileira. Fundado em 1999, é um dos maiores grupos de comércio eletrônico do Brasil, composto por 17 empresas.


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Suas companhias estão presentes em boa parte da América Latina e, em alguns casos, até em países da Europa, como Espanha e Portugal. São mais de 300 funcionários – um quarto de uma equipe de 1,2 mil – espalhados por escritórios no Exterior. Embora a maior parte do seu faturamento, estimado em R$ 400 milhões no ano passado, seja gerada no Brasil, a fatia de outras regiões está em expansão. “A operação internacional já corresponde a 20% da nossa receita, participação que deve chegar a 50% até 2014”, diz Romero Rodrigues, CEO do Buscapé. “O mercado brasileiro de internet e comércio eletrônico está bem à frente dos nossos vizinhos, mas vejo esse relativo atraso como uma oportunidade.”

Além do Buscapé, também merece destaque a escalada da loja de produtos esportivos Netshoes e da desenvolvedora de softwares e aplicativos Ci&T no front externo. Maior loja online de nicho do País, a Netshoes registra uma velocidade de crescimento impressionante. O faturamento previsto para 2012 é de R$ 1 bilhão, duas vezes e meia o registrado em 2010, de R$ 400 milhões. As unidades internacionais, no México e Argentina, funcionam desde o fim do ano passado e já dão frutos. “Revimos nossas projeções em razão dos bons resultados iniciais”, diz Roni Cunha Bueno, diretor de marketing da Netshoes. “Já estamos entre os sites de e-commerce mais acessados nos dois países.”

No caso da Ci&T, que desenvolve softwares e aplicativos para grandes corporações, como Embraer e Coca-Cola, a fatia alcançada com a operação internacional, especialmente dos EUA, já representa 40% do faturamento, o equivalente a R$ 52 milhões.

 Sociedade multinacional: O alemão Malte Huffmann (esq.), o francês Thibaud Lecuyer (centro)e o brasileiro Philipp Povel querem transformar a Dafiti na maior loja virtual dos países onde atua.*

Com sede em Campinas (SP), a Ci&T está presente na Argentina, Inglaterra, Japão e China, com centros de desenvolvimento ou escritórios para relacionamento. A equipe já soma 1,5 mil funcionários, cerca de 300 deles no Exterior. “A área de tecnologia da informação é global”, afirma César Gon, sócio da Ci&T. “Estar nos mercados mais sofisticados, como EUA e Japão, é essencial para o nosso desenvolvimento”, diz. Abrir escritórios é a parte mais visível da internacionalização – e a que exige maior investimento. Mas o mundo conectado permite que um número cada vez maior de start-ups nacionais se tornem globais sem a necessidade de montar estrutura física lá fora. Esse é o caso da Best Cool and Fun, desenvolvedora de games para smartphones e tablets.

 Audiência expandida: Roni Cunha Bueno, diretor de marketing da Netshoes, afirma que a empresa já está entre os sites mais acessados no México e na Argentina.*

Seus jogos fazem sucesso em muitos países, desde o fim de 2009, ano de fundação da companhia e do lançamento de seu maior sucesso, o jogo Ant Smasher. O game permite aos jogadores esmagar formigas com as pontas do dedo na tela de um smartphone. Essa simples brincadeira tornou seu criador, Guilherme Schvartsman, um milionário quase que da noite para o dia. Com mais de 30 milhões de downloads, o jogo rendeu cerca de US$ 3 milhões em 2011 aos cofres da start-up, principalmente por meio de anúncios no próprio aplicativo. A maioria dos jogadores é dos EUA e da Europa. Brasileiros representam menos de 5% dos usuários. “Não queremos atrelar a presença global ao fato de estar presencialmente em outro país”, diz.

O olhar internacional, como o de Schvartsman, está sendo acompanhado de perto pelos grandes fundos estrangeiros. Os donos do dinheiro veem no bom momento vivido pelas start-ups nacionais uma chance para investir. “Hoje, as empresas iniciantes na área de internet do Brasil não deixam nada a dever para companhias fundadas em outros países ou até mesmo no Vale do Silício,”, diz o indiano Arvind Sodhani, presidente mundial da Intel Capital, um dos maiores fundos de investimento em tecnologia do mundo. Sodhani conhece muito bem a realidade nacional, pois visita regularmente o País há mais de dez anos para monitorar os projetos apoiados pela Intel Capital e procura identificar novos negócios, que podem posteriormente ser alvo das estratégias de internacionalização. “Dobramos o nosso time aqui no último ano para aproveitar as oportunidades”, afirma Sodhani.

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 * Empresas tipo exportação: depois de conquistarem o mercado nacional, as start-ups brasileiras pretendem crescer com operação em outros países. Por Bruno GALO. Colaborou: Márcio Orsolini
Fonte: Revista Isto É Dinheiro 05/05/2012



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