Marcas e Empresas
Ainda é possível fazer bons negócios no setor
Com 2,1 mil faculdades, universidades e centros universitários, o ensino superior privado movimenta R$ 30 bilhões no Brasil. Excluindo-se as fundações, as filantrópicas e aquelas instituições com menos de 1 mil alunos, restam cerca de 650 universidades que podem ser alvo de fundos de investimento e de redes consolidadoras.
Essas instituições têm um perfil parecido: a maioria enfrenta o dilema da sucessão - já que cerca de 80% dos fundadores têm mais de 70 anos de idade e continua à frente dos negócios. E também compartilham dos mesmos problemas. Em geral, têm uma gestão pouco profissionalizada, contingências tributárias e trabalhistas além de endividamentos incompatíveis com a operação. "É preciso garimpar mais, mas ainda há muita oportunidade de se fazer negócios no setor", diz Ryon Braga, presidente da consultoria Hoper, especializada em educação.
Um estudo recente coordenado por Braga estima que dentro de quatro anos as maiores empresas de educação do País, que hoje detém 34% de participação de mercado, chegarão a 50% , com metade do número de empresas consolidadoras que existe hoje (são 14 no total).
No entanto, as redes que mais se destacam na aquisição de faculdades e universidades são a Kroton e a Anhanguera. Entre fevereiro do ano passado e maio deste ano, ocorreram 33 operações de fusão e aquisição no setor, que movimentaram R$ 3 bilhões - 85% desse volume foram de operações comandadas por essas duas empresas.
Embora a Anhanguera tenha começado o ano passado com o título de mais agressiva do setor, é a Kroton, controlada pelo fundo Advent, que tem chamado atenção em 2012. Ao comprar a Unopar, em dezembro do ano passado, e a Uniasselvi no mês passado, ela superou pela primeira vez a Anhanguera em número de alunos no ensino superior.
Ao vender o controle da Universidade Anhembi Morumbi para os americanos da Laureate, em 2005, o professor Gabriel Mário Rodrigues fez uma exigência: teria de continuar como reitor da instituição por tempo indeterminado, até decidir que havia chegado a hora de se aposentar. Na época, ninguém botou fé que aquele senhor de 73 anos, milionário, ficaria muito mais tempo no cargo. Pois ele furou qualquer previsão.
Com 80 anos recém-completados, continua coordenando a área acadêmica da universidade que criou em 1971 - e dando palpites na administração dos sócios. "Você não sabe como é difícil ter patrão", responde a quem quer saber como foram os últimos sete anos. Só agora, Rodrigues se prepara para deixar o gabinete da reitoria. Em março de 2013, ele terá de vender, conforme prevê o contrato, seus 49% para a Laureate - grupo formado por 60 instituições, com presença em 29 países e que oferece cursos para 700 mil estudantes no mundo - e embolsar mais cerca de R$ 400 milhões.
Sob o comando dos americanos, a receita da Anhembi Morumbi dobrou - para R$ 320 milhões em 2011, segundo apurou o Estado. É um crescimento relevante para uma rede que desde a origem quis associar sua marca à elite paulistana e procurou atrair um público bem específico, que transita pelas classes A e B e está disposto a pagar mensalidades na faixa de R$ 1,2 mil.
Embora a história da Anhembi Morumbi tenha sido milimetricamente planejada por Rodrigues, ele foi parar nesse ramo por acaso. É tratado como "professor" nos corredores, mas teve uma breve experiência em sala de aula. Ele ainda era adolescente quando foi convidado pelo diretor do colégio onde estudava para substituir um professor do curso primário aos sábados.
Como gostava mesmo era de desenhar, formou-se em Arquitetura e foi trabalhar no Departamento de Obras Públicas do Estado de São Paulo. Lá, entre um serviço burocrático e outro, criou um setor de capacitação para preparar os colegas servidores que sonhavam em ter uma graduação mas não conseguiam passar no vestibular.
Do cursinho na repartição até inaugurar sua faculdade foi um pulo. "A criação do curso de turismo foi uma iniciativa inovadora e acabou dando o tom de toda a estratégia da empresa", diz Carlos Monteiro, presidente da CM Consultoria, especializada em educação. Depois de turismo, vieram os cursos de moda, gastronomia, quiropraxia e até de design em animação.
Mas nem tudo foram flores na trajetória empresarial de Rodrigues. Ele nunca conseguiu, por exemplo, empreender no ensino à distância, embora fosse sócio da primeira empresa do País a conseguir autorização do MEC para atuar nessa modalidade, a Universidade Virtual Brasileira. Pior que isso: o professor e a Anhembi Morumbi enfrentam até um hoje um processo, com outras nove instituições, por suspeita de terem pirateado o programa de educação à distância desenvolvido para o grupo. A multa pode chegar a R$ 174 milhões.
Influência. Desde que decidiu se tornar um empresário de ensino superior, Rodrigues dedicou boa parte de seu tempo às entidades de classe do setor. Foi presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior de São Paulo por 12 anos e hoje preside a Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES). Vai a Brasília a cada 15 dias e tem trânsito fácil no Ministério de Educação.
Donos de universidades concorrentes creditam a Rodrigues, por exemplo, a vitória do setor ao barrar a reforma universitária proposta pelo ex-ministro Tarso Genro em 2004. "Mesmo quando discorda de uma situação ele faz todo mundo acreditar que está de acordo", descreve o dono de uma universidade particular de São Paulo. "Depois, de mansinho, vêm com uma série de soluções totalmente diferentes das que estavam sendo propostas por seus interlocutores. Parece pouco democrático, mas funciona."
Esse jeitão bem relacionado do professor Gabriel seduziu, em 2005, os americanos da Laureate. Eles já estavam há dois anos em busca de um parceiro, quando decidiram se tornar sócios da Anhembi Morumbi e colocar os pés no mercado brasileiro. Na época, Rodrigues já tinha se dado conta de que suas três filhas jamais se entenderiam à frente dos negócios. "Sem sucessores, eu não tinha opção."
A reestruturação da empresa para a venda começou dois anos antes e ficou sob a responsabilidade dos "meninos do Pátria", como Rodrigues se refere aos executivos de uma das maiores gestoras de fundos de private equity do País. Eles eram conhecidos da filha mais velha, Angela Freitas, que já cuidava do departamento financeiro da Anhembi Morumbi. O Pátria escalou para o serviço o novato Ricardo Scavazza, na época com apenas 24 anos.
Dois anos mais tarde, em 2006, Scavazza comandou a abertura de capital da rede Anhanguera, antiga conhecida do dono da Anhembi Morumbi. Foi Rodrigues que tornou possível o projeto de dois professores de matemática do interior paulista, Antônio Carbonari e José Luís Poli, que queriam "massificar" o ensino superior, com cursos baratos. Quando a Anhanguera tinha menos de 10 mil alunos, o professor Gabriel comprou metade das ações da rede.
Com a abertura de capital, o controle da Anhanguera passou para as mãos de um fundo do Pátria, que tem 17% das ações. A holding da família Rodrigues detém 70% desse fundo. "A Anhembi é como uma filha, mas a Anhanguera é o meu maior negócio", diz. Embora venha sofrendo na bolsa desde o ano passado, quando fez sua última e mais complicada aquisição (da Uniban), a companhia continua sendo a mais valiosa do setor, com valor de mercado de R$ 3,5 bilhões.
Nem Rodrigues nem suas filhas exercem função executiva na companhia que é hoje o maior investimento da família. Dona de uma empresa que negocia empreendimentos imobiliários, Angela, a filha mais velha, compra e vende câmpus para a Anhanguera. "São investimentos da família que nada interferem na nossa sociedade", diz o vice-presidente de Operações da Laureate Brasil, José Roberto Loureiro.
Reza. Sobre sua participação na empresa fundada por Carbonari (e presidida por Scavazza), o reitor da Anhembi Morumbi costuma brincar dizendo que faz parte "da turma da reza", numa referência às festas juninas de antigamente. "Nas festas de São João, o padre dividia as tarefas entre os casais.
Quem ficava sem função tinha a incumbência de rezar para que tudo corresse bem. É o que eu faço na Anhanguera." Quem acompanha a trajetória do professor Gabriel, que optou ter uma instituição menor, com mensalidades mais caras e um maior controle de qualidade, diz que ele vive em conflito ao ser também um dos maiores acionistas da Anhanguera. Ele garante que não, mas, genericamente, faz críticas ao modelo de administração adotado em universidades controladas por instituições financeiras. "É preciso esperar oito anos para ver o lucro em educação, mas os banqueiros não têm essa paciência."
Entre os cinco maiores grupos educacionais do País, só a Unip não tem um grupo financeiro por trás de sua administração. A Anhanguera é comandada pelo Pátria; a Estácio, pela GP Investimentos; a Kroton, pela Advent e a Laureate tem participação do fundo americano KKR.
Por conta do apetite desses fundos pelo segmento de educação, o processo de consolidação iniciado pela Anhembi Morumbi ainda promete grandes negócios. O mais esperado é uma fusão entre Anhanguera e Estácio de Sá (grupos que se complementam geograficamente). Isso pode dar certo? O professor é categórico: "Não duvido que aconteça, mas se eles vão entregar um bom produto é outra história." Por NAIANA OSCAR
Fonte:estadao 11/6/2012
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