Marcas e Empresas
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O varejo online brasileiro triplicou de tamanho e recebeu 2,3 bilhões de reais de investimento em quatro anos. Mas as empresas não saem do vermelho — e a maioria nunca vai sair
A varejista brasileira de moda Dafiti é um fenômeno da internet mundial. Foi criada em janeiro de 2011 por quatro empreendedores com idade entre 28 e 31 anos e formados em escolas de negócios como Harvard e Insead — os alemães Malte Horeyseck e Malte Huffmann, o francês Thibaud Lecuyer e o brasileiro Philipp Povel.
Em três anos, a Dafiti chegou a uma receita estimada em 800 milhões de reais e assumiu a liderança do mercado de moda na internet brasileira. No caminho, recebeu muito dinheiro. Foram 660 milhões de reais em aportes de investidores internacionais, como o fundo alemão Rocket e o braço de investimentos do Banco Mundial.
Além de sapatos, seu primeiro produto, passou a vender roupas, artigos esportivos e objetos de decoração, num total de 75 000 itens. Neste ano, tem tudo para chegar à emblemática marca de 1 bilhão de reais em vendas. Tudo muito bom, mas, por trás da história de sucesso, esconde-se uma realidade um pouco mais complexa.
Quanto mais a Dafiti cresce, mais perde dinheiro. A empresa, que não concedeu entrevista, nunca deu lucro e atualmente perde até 20 milhões de reais por mês, segundo executivos que conhecem os números da companhia. Mantido o ritmo de queima de caixa, os 200 milhões recebidos nos últimos seis meses, portanto, podem acabar antes do fim da Copa do Mundo, em julho.
Para uma empresa normal, num setor normal, números desse tipo seriam motivo para alarme. Mas a Dafiti perde dinheiro de propósito: seu único objetivo, hoje, é crescer no ritmo mais acelerado possível. E, para isso, é preciso torrar muito dinheiro, sobretudo em marketing. “Investimos para ser líderes, e conseguimos. Mas toda empresa pode falhar, especialmente as mais novas”, diz Rodrigo Sampaio, presidente da Rocket no Brasil. A Dafiti não está sozinha nessa estratégia.
Nos últimos anos, o Brasil viu um inédito surto empreendedor nos mais variados nichos do varejo online. Nasceram dezenas de empresas com ambição de chegar rapidamente à liderança de seus mercados. São companhias como a varejista de móveis Mobly, fundada por três jovens que se conheceram enquanto cursavam MBA nos Estados Unidos — em dois anos, atingiu um faturamento de 120 milhões de reais.
Ou a loja online de produtos infantis Bebê Store, criada em 2009 e que ganhou dois novos concorrentes. Ou a Wine.com.br, que em quatro anos se tornou a segunda maior varejista online de vinhos do mundo, com faturamento de 250 milhões de reais. Há também varejistas especializadas em cosméticos e em animais de estimação, entre outros nichos.
Cada uma delas recebeu dezenas de milhões de reais em investimentos de fundos especializados — e todas perdem dinheiro religiosamente. Mesmo no vermelho, algumas dessas empresas valem centenas de milhões. “O momento não é de lucrar, é de crescer. Quem buscar rentabilidade será engolido”, diz Victor Kong, chefe de investimentos da bilionária família venezuelana Cisneros.
Os desafios do e-commerce A busca por crescimento é explicada pelo exuberante momento do comércio eletrônico brasileiro. Desde 2009, a receita das varejistas online passou de 11 bilhões para 29 bilhões de reais. Mais de 50 milhões de brasileiros já compraram alguma coisa pela internet — a previsão é que o número de compradores dobre até 2018. A expansão atraiu para o Brasil o interesse de investidores internacionais de peso, como a Rocket, o banco JP Morgan ou o cofundador do Skype Niklas Zennström.
Nos últimos quatro anos, as varejistas online receberam estimados 2,3 bilhões de reais, algo sem precedentes no Brasil, com sua ancestral falta de capital para empresas iniciantes. Em resumo, esse tipo de investidor ajuda a impulsionar a expansão de startups para, quanto antes, vendê-las para um gigante do setor ou abrir seu capital em bolsa.
O objetivo é replicar por aqui a história de três varejistas especializadas americanas. A Diapers.com, de produtos para bebês, foi vendida para a Amazon por 500 milhões de dólares, em 2010. A Zappos, de sapatos, levantou 900 milhões de dólares ao ser vendida também para a Amazon, em 2009.
A varejista de móveis WayFair se prepara para abrir o capital e está avaliada em 2 bilhões de dólares. As três valeram essas fortunas sem nunca ter tido lucro — e, no caso das duas primeiras, a chave para o sucesso foi ganhar tamanho suficiente para incomodar a Amazon até serem engolidas por ela.
O problema, que começa a ficar cada dia mais claro para quem tenta seguir os passos dessas empresas, é que o Brasil é diferente dos Estados Unidos. Por aqui, encontrar um comprador ou levar a empresa à bolsa é muito mais complicado. Primeiro, porque os potenciais compradores têm os próprios problemas para resolver.
A B2W, dona das marcas Submarino e Americanas.com, teve um prejuízo de 420 milhões de reais acumulado nos últimos três anos. A empresa anunciou em fevereiro uma capitalização de até 2,4 bilhões de reais de seus controladores (que incluem o bilionário Jorge Paulo Lemann) e do fundo de investimento americano Tiger.
A Nova Pontocom, dona das lojas virtuais de Casas Bahia e Ponto Frio, perdeu 28 milhões em 2013, depois de fechar 2011 e 2012 no azul-clarinho. “Nossa prioridade é eficiência. Em 2013, por exemplo, reduzimos o número de diretorias de 16 para seis”, diz German Quiroga, presidente da Nova Pontocom.
Para complicar um pouco mais as coisas, muita gente se lançou nos mesmos nichos simultaneamente. Nesses casos, não existe um líder que seja um alvo óbvio de aquisição. Em alguns nichos, como o de produtos para bebês, três empresas vendem quase os mesmos produtos para os mesmos consumidores: Tricae, da Rocket, Bebê Store, com aporte do fundo Atomico, e Baby.com.br, financiada pelo fundo de investimento Monashees.
Para os consumidores, é o melhor dos mundos, já que essas empresas são obrigadas a seguir oferecendo frete grátis e parcelamento em até 12 vezes, velhos ralos de dinheiro no setor. Ganha, portanto, quem aguentar por mais tempo vender pacotes de fraldas com lucro zero.
A abertura de capital na bolsa ainda parece um sonho distante. Com o mercado acionário em má fase há três anos, a vida já está difícil para quem tem lucro: imagine para a turma do prejuízo. Nem a Netshoes, a mais bem-sucedida das startups de comércio eletrônico brasileiras, está conseguindo.
Fundada em 2000 pelo paulista Marcio Kumruian, a empresa faturou 1,2 bilhão de reais em 2012. A meta para 2014 era abrir o capital, mas os planos de ir à bolsa foram adiados, e a empresa continua a perder dinheiro. Em 2012, o prejuízo foi de 80 milhões de reais. No balanço de 2013, que deve ser publicado em abril, vem aí mais tinta vermelha. No início do ano, a empresa começou a buscar um comprador.
Em busca de alternativas Os riscos desse tipo de estratégia são muitos. Essas empresas irão ao céu ou ao inferno — não há meio-termo disponível. Um caso recente mostra o caminho para o fracasso. Fundada em 2003, a Comprafacil.com chegou a ser a terceira maior loja de comércio eletrônico do país.
Tinha por trás o grupo Hermes, que tinha um negócio de vendas por catálogo extremamente rentável. Mergulhar na internet parecia fazer sentido. Mas as dívidas se acumularam. Enquanto as coisas ainda não eram preocupantes, a Comprafacil.com recebeu propostas de aquisição de B2W e Nova Pontocom.
Mas as conversas não foram adiante porque os donos do negócio acharam os valores oferecidos baixos. Até que, em novembro passado, o grupo Hermes pediu recuperação judicial. As dívidas da Comprafacil.com, estimadas em 600 milhões de reais, provaram-se impagáveis. “Muita gente vai ficar pelo caminho”, diz Paulo Humberg, do fundo especializado em internet A5.
Pressionadas pelo prejuízo que só cresce, as varejistas estão repensando sua estratégia de marketing. Mas não há clareza do que dá para fazer de diferente. Até hoje, quem tentou reduzir a publicidade perdeu clientes imediatamente. Uma alternativa é copiar o que foi feito pela americana Amazon.
Em 2005, seu presidente, Jeff Bezos, lançou o Amazon Prime, serviço anual de frete que permite ao cliente receber quantos produtos quiser por 79 dólares. A ideia “obriga” o cliente a voltar mais vezes. No Brasil, uma das poucas varejistas que conseguiram fechar 2013 no azul usa estratégia parecida — a Wine.com.br.
A empresa tem 50 000 assinantes, que pagam um valor fixo por mês para receber vinhos em casa. “Vendemos 150 000 garrafas”, diz Anselmo Endlich, cofundador da Wine. Lojas que fabricam os próprios produtos ou que vendem itens exclusivos também têm uma vantagem.
Elas não precisam divulgar que vendem mais barato nem fazer promoções. Seus produtos são simplesmente diferentes. A varejista de móveis Oppa, criada em 2011 pelo alemão Max Reichel e que tem entre seus investidores o americano Peter Thiel, fundador do serviço de pagamentos PayPal, tem 25 designers para criar seus móveis. Isso tem servido para atrair novos consumidores ao site. Lucro, que é bom, ainda é um sonho distante.
Uma hora a conta chega A combinação de prejuízo com falta de caixa pode colocar empresários e investidores em rota de colisão. É o que acontece na Netshoes Das diversas histórias de crescimento da internet brasileira, nenhuma é tão impressionante quanto a da Netshoes, maior varejista online de artigos esportivos do mundo. Em 2012, a loja, fundada em 2000, ultrapassou o bilhão de reais de faturamento. No ano seguinte, contratou os bancos de investimento que fariam sua abertura de capital.
O plano era dar o primeiro lucro em 2014 e ir à bolsa. Mas o lucro não veio, o sonho da emissão de ações ficou distante e surgiu o problema: onde obter capital para seguir crescendo?
Nos anos anteriores, a resposta era simples. Bastava fazer mais uma rodada de investimentos. Desde 2009, foram cerca de 250 milhões de reais em aportes de fundos como o americano Tiger e a Temasek, de Singapura. Mas, hoje, a solução não é tão fácil.
O fundador da Netshoes, Marcio Kumruian, reluta em seguir no modelo de capitalizações privadas (defendido por seus investidores), já que acabará tendo sua participação diluída a ponto de perder o controle da empresa.
Diante disso, pediu ao banco de investimento americano Morgan Stanley que procurasse interessados na compra da Netshoes — gente como Walmart.com, B2W e Nova Pontocom. Mas, como a necessidade de caixa da empresa é grande, segue em paralelo a negociação com investidores para um novo aporte. Preocupado com a situação financeira da Netshoes, Lee Fixel, um dos sócios do Tiger, passou a fazer visitas semanais à sede da empresa.
A atual onda de empreendedorismo da internet brasileira deve muito ao crescimento da Netshoes. Todos querem criar a “Netshoes de determinado nicho”.
De fato, algumas estão conseguindo se estabelecer. Mas a dificuldade atual mostra as diferenças que surgem entre sócios quando planos de abrir o capital ou vender o negócio são frustrados — e as empresas têm de andar com as próprias pernas (ou com o próprio caixa). A certeza que se tem é: perder dinheiro pode até fazer sentido por algum tempo — mas não para sempre. Procurada, a Netshoes disse que o controle da empresa não está à venda. Por Ana Luiza Leal e Lucas Amorim, Leia mais em exame 02/04/2014
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