Marcas e Empresas
Coutinho revela bastidor da ação do BNDES em 2008
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) atuou, nos bastidores da crise de 2008, para impedir que empresas e bancos quebrassem em decorrência da forte desvalorização do real. O banco, segundo seu presidente, Luciano Coutinho, articulou para evitar que bancos privados resgatassem seus créditos em companhias que estavam sofrendo fortes perdas com operações de derivativo cambial.
A dimensão dos impactos da crise no setor privado foi muito maior do que se divulgou à época. "Esse processo afetou seriamente cerca de 200 empresas, sendo umas 60 a 70 em estado dramático no último trimestre de 2008. A solução para isso consumiu todo o ano de 2009", revelou, em longa entrevista à revista "Cadernos do Desenvolvimento", do Centro Celso Furtado. "Foi um longo trabalho de reestruturação, em que tecemos uma cooperação não visível com o mercado de crédito (...) Em alguns casos, o BNDES não precisou aportar recursos, mas foi essencial como coordenador das soluções."
Na ocasião, grandes empresas exportadoras, como a Sadia e a Aracruz , fizeram antes da crise grandes operações com derivativos cambiais, apostando que o real seguiria se valorizando em relação ao dólar. Com a eclosão da crise, a partir da quebra do banco americano Lehman Brothers em setembro de 2008, o real sofreu forte desvalorização.
Segundo Coutinho, naquele momento era "indispensável" para o BNDES coordenar a ação de instituições financeiras privadas, "para evitar que um jogo individualista por parte dos bancos resultasse em deterioração geral da carteira de todos". É a primeira vez que se revela o papel do BNDES no auge daquela crise.
"Uma parte do problema decorria do fato de que o banco que tinha uma fatia pequena dos créditos de uma determinada empresa ficava tentado a tirar sua parte, a resgatá-la. O credor grande, que tinha uma fatia relevante, não podia fazer isso porque sabia que iria asfixiar a empresa. Se todos os bancos que tivessem fatias pequenas buscassem sair ia ser um problema grave. Daí a ideia de o BNDES coordenar, para que os bancos atuassem conjuntamente", disse Coutinho à revista, cuja próxima edição será lançada quinta-feira e foi antecipada ao Valor.
O presidente do BNDES revelou que alguns bancos pequenos, com problemas de "funding" no interbancário, tiveram que resgatar seus créditos em várias empresas, obrigando o BNDES a trazer outros bancos para suprir seu espaço. Várias empresas exportadoras foram obrigadas a absorver grandes prejuízos com os derivativos.
"Nos defrontamos com um sério problema. O BNDES não podia entrar para cobrir os prejuízos, dando saída para os bancos causadores desses prejuízos, nem tampouco podia realizar essas operações devido ao chamado efeito de moral hazard [risco moral], pois privilegiaria os controladores imprudentes", observou.
Para estancar os prejuízos, explicou Coutinho, foi preciso interromper o processo cumulativo de perdas, negociando uma taxa de câmbio de encerramento das posições, de forma a estabelecer um montante devido e partir para o seu financiamento a prazos mais longos. O BNDES deixou claro que essa pré-condição era essencial e que os bancos responsáveis pela venda dos derivativos tinham a obrigação de equacionar o refinanciamento dos prejuízos. "Só após obtido isto, interviemos e quando necessário reestruturando o controle para poder capitalizar e criar empresas capazes de voltar a investir", disse Coutinho.
O presidente do BNDES fez um apanhado sobre a economia brasileira desde os anos 50 e suas perspectivas. Ele afirmou que, depois de anos digerindo a crise da dívida, o Brasil recuperou, entre 1999 e 2005 e entre 2004 e 2006, um mínimo, respectivamente, de robustez fiscal, conquistada a partir da Lei de responsabilidade Fiscal, e robustez cambial, obtida com a acumulação de reservas cambiais. Essas condições foram essenciais para sustentar taxas mais altas de crescimento e permitiram ao país adotar políticas anticíclicas, fundamentais para o país enfrentar a crise de 2008, a mais grave desde 1930.
Um dos principais conselheiros da presidente Dilma Rousseff, Coutinho, que comanda o BNDES desde maio de 2007 e que nesse período quase triplicou o orçamento de desembolsos do banco, advertiu que o país deve tomar o cuidado com o déficit externo, que hoje está em torno de 2% do PIB.
"É relevante extrair a lição. Nunca deveríamos esquecê-la. Faz uma diferença fundamental para a capacidade do Estado, para sua autonomia, ter ou não ter robustez cambial. Ter robustez fiscal é indispensável, mas ter robustez cambial é decisivo, sem ela não é possível um mínimo grau de autonomia", disse ele. "Preocupa-me que uma possível tolerância com um déficit em conta corrente muito alto possa desfazer a robustez cambial do país em pouco tempo. Então, se nós não retivermos essa lição, poderemos desfazer as condições básicas essenciais para sustentar o crescimento daqui para frente." Por Cristiano Romero
Fonte:Valoreconômico01/11/2011
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