Marcas e Empresas
Fundos do Vale do Silício bancam novatas no Brasil
Dinheiro do Vale do Silício financia novatas brasieiras
O dinheiro que ajudou a criar algumas das principais forças do Vale do Silício californiano, como o Google e o Facebook, começa a irrigar as "startups" brasileiras. Fundos da Califórnia começaram a avaliar as companhias brasileiras em 2008, mas os aportes tornaram-se mais comuns a partir do ano passado
Com cidades relativamente pequenas, repletas de prédios baixos e jardins bem cuidados - um cenário semelhante aos campi das universidades que caracterizam a região -, o Vale do Silício não se parece nada com os grandes centros urbanos onde se concentra a maioria das empresas novatas de tecnologia e internet do Brasil. Mas o mesmo dinheiro que ajudou a criar algumas das principais forças do Vale, como o Google e o Facebook, começa a irrigar as "startups" brasileiras, dando aos empreendedores nacionais a chance de sonhar em ser o próximo Larry Page ou Mark Zuckerberg.
Os fundos da Califórnia começaram a avaliar as companhias brasileiras em 2008, mas os aportes tornaram-se mais comuns a partir do ano passado. Sete grupos destacam-se nesse novo cenário: Redpoint Ventures, BV Capital, Flybridge Capital Partners, Accel Partners, Tiger Global Management, Venture Capital Group e 500Startups.
Juntas, essas empresas detêm participações em aproximadamente 20 companhias novatas - quase todas de internet. É difícil fazer a conta de quanto elas já investiram no país, porque boa parte dos valores permanece em sigilo. Como regra geral, os fundos fazem investimentos classificados nos Estados Unidos como série A, entre US$ 1 milhão e US$ 10 milhões por empresa.
O primeiro passo é encontrar a companhia certa. No Vale do Silício, empreendedores e capitalistas às vezes estão, literalmente, a alguns metros de distância um do outro. Em nenhum outro lugar a proximidade é tão grande. No Brasil, a seleção é feita com base em indicações de consultorias e investidores mais experientes. É uma seleção dura. Em média, de cem empresas avaliadas só uma é escolhida.
A Shoes4You, um clube de compras de sapatos e acessórios, está entre as que passaram por esse crivo. Fundada em setembro de 2011, a empresa já recebeu aportes do Accel Partners (investidor do Facebook e Groupon), do Redpoint Ventures (Netflix), e do Flybridge Capital Partners(Zing e Open English).
Olivier Grinda, sócio-fundador e presidente da Shoes4You, considera a experiência diferente da que viveu em outras "startups", com investidores de outras origens. "Os fundos do Vale do Silício trabalham com uma perspectiva de longo prazo, de 10 a 20 anos. Há uma preocupação em alinhar as perspectivas, mas sem a cobrança imediata por receita e fluxo de caixa", diz.
O comércio eletrônico - área de atuação da Shoes4You - é um dos segmentos mais procurados pelos fundos, mas há outras atividades que despertam interesse, principalmente "marketplaces" (venda de conteúdo, serviços ou produtos oferecidos por pessoas que não têm sua própria loja virtual), cursos via internet, redes sociais e criação de software para dispositivos móveis.
O candidato precisa convencer o investidor de que o negócio é capaz de proporcionar uma receita de pelo menos US$ 100 milhões em até três anos, e que o projeto pode ser lançado em outros países sem grandes alterações. Mas o fundamental, mais importante que as virtudes do projeto, é o conjunto de qualidades apresentado pelo empresário. Reconhecer o empreendedor é a regra de ouro no Vale do Silício e a razão pela qual muitos que não foram bem em seu primeiro negócio receberam uma segunda chance. Às vezes até uma terceira, quarta, quinta chances...
Jon Karlen, sócio do Flybridge Capital Partners, está à procura de brasileiros com o perfil que costuma encontrar no Vale do Silício. Neste ano, ele já veio três vezes ao Brasil em busca de projetos de educação on-line, mídias sociais e softwares para dispositivos móveis. O Flybridge detém uma carteira de US$ 560 milhões, dos quais planeja investir US$ 100 milhões no país nos próximos anos. Até agora, o fundo fez aportes em quatro empresas brasileiras. "Para chegar a esses acordos é preciso desenvolver bons relacionamentos e é difícil fazer isso a distância. Vou acabar tendo que me instalar aqui", brinca Karlen.
O Redpoint Venture, um dos investidores na Shoes4You, é muito otimista em relação ao Brasil. Dona de uma carteira de US$ 3 bilhões, a companhia fez o primeiro investimento no país há três anos, no site Viajanet. Atualmente tem participação em sete empresas nacionais. "Os recursos destinados ao Brasil não chegam a 10% da carteira, mas a expectativa é ultrapassar o percentual em poucos anos", diz Jeff Brody, sócio-fundador do Redpoint Ventures.
O interesse é tanto que o Redpoint juntou-se ao BV Capital - outro fundo americano, com uma carteira de US$ 300 milhões - para criar a eVentures Redpoint. A empresa de investimentos, com sede em São Paulo, tem interesse em comércio eletrônico, mídia e software para dispositivos móveis.
O valor para investimentos é mantido em sigilo pelos sócios, o americano Yann de Vries e o brasileiro Anderson Thees. "Queremos ser agressivos aqui, onde há muitas oportunidades", afirma Vries. Seguindo a cartilha californiana, a prioridade é conhecer bem o empreendedor. "Não fazemos negócios só com base no projeto", diz Thees.
Fernando Okumura, cofundador e presidente da Kekanto, sentiu a diferença nas conversas com os fundos do Vale do Silício, em comparação com os investidores nacionais. No ano passado, o Accel Partners e o Kaszek Ventures adquiriram 30% da Kekanto, uma rede social para classificação de estabelecimentos, por um valor não revelado. "Os fundos nacionais são mais novos e as pessoas que os administram vêm de bancos ou fundos de private equity, que lidam com empresas mais maduras", diz o empresário.
Esse ponto - a maturidade dos projetos versus a expectativa dos investidores - é uma questão central. É consenso que não faltam projetos no país, nem dinheiro para aplicar. O problema é o desencontro entre os dois lados. Projetos incipientes demais chegam à mesa dos gestores de fundos, que acabam por descartá-los porque procuram negócios mais maduros. Faltam as rodadas iniciais de recursos, feitas pelos chamados investidores-anjo ou empresas de capital semente.
"A chegada de novos fundos para preencher esse elo intermediário torna o mercado mais completo", afirma Luiz Eugenio Figueiredo, vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP). O Brasil já contava com alguns investidores-anjos e fundos de capital semente, diz Figueiredo, mas a atuação dos novos investidores internacionais pode estimular mais grupos a atuar nesse segmento, afirma.
A 500Startups, dona de uma carteira de US$ 30 milhões, tem foco nos estágios iniciais das companhias novatas. A empresa enviou ao Brasil uma profissional especializada que trabalhava em sua sede em Mountain View, na Califórnia. À semelhança dos "olheiros" que trabalham para as agências de modelos, Bedy Yang tem a missão de selecionar "beldades" tecnológicas brasileiras.
Na 500Startups, o investimento inicial médio é de US$ 50 mil em cada projeto. Em seis meses, Bedy selecionou as empresas Viva Real, Descomplica, Rota dos Concursos e ContaAzul. "Além do investimento, os empreendedores visitam a sede na Califórnia para desenvolver as áreas de design, métricas, distribuição e gestão", diz ela.
Mariana Medeiros, que comanda o site OQVestir, recebeu em 2011 um aporte do fundo Tiger Global Management e sentiu o efeito desse tipo de treinamento. Ela tem reuniões mensais de acompanhamento, nas quais pode ouvir a opinião de quem está no principal centro de tecnologia dos EUA. "A chegada do recurso é acompanhada de conhecimentos que ajudam a profissionalizar a gestão", diz a empresária. Por Cibelle Bouças Colaborou Juliana Ennes
Fonte:ValorEconômico16/03/2012
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