Journal of Finance 64 nº. 4
Marcas e Empresas

Journal of Finance 64 nº. 4


Quem joga no mercado acionário? – Alok Kumar.

O artigo estuda a relação entre a propensão participar de jogos de azar (como loterias) e a compra de ações com características de jogos de azar (“ações com características de loteria”). O autor procurarou ações com características semelhantes às da loteria: preços baixos, retornos esperados negativos, alta variância nos retornos e baixa probabilidade de sucesso. Os filtros usados foram: 1) Elevado risco específico da ação (volatilidade); 2) Elevada obliqüidade (skewness) específica; 3) E baixo preço. Não se supõe que toda a carteira será composta por ações desse tipo, mas que há uma quantidade desproporcional dessas ações na carteira de investidores-jogadores.

A racionalidade (ou “racionalidade”) envolta nesses dois investimentos é a mesma. Os investidores dão muito mais importância para os retornos em caso de sucesso do que para a baixa probabilidade de sucesso. Ganhar R$ 50 milhões pesa muito mais do que ter apenas uma chance em cinqüenta milhões de ganhar, pagando mais do que R$ 1. Específico de ações, os investidores dão muito mais importância para os desvios para a direita (grandes retornos positivos) do que para os grandes desvios negativos, embora a média seja baixa ou negativa. O fato de se estar “apostando” pouco também os alivia do risco.

O autor constatou que o mesmo perfil socioeconômico de pessoas que compram loterias investem em ações com essas características (o curioso é que viver em regiões com alta concentração de católicos está incluso nesse perfil, não sei por que). Condições econômicas locais similares também levam a comportamentos similares (os dois investimentos aumentam em recessões e quando o desemprego é alto). Investidores institucionais, ao contrário, possuem uma grande aversão a esse tipo de ação, alocando menos do que a carteira de mercado (em proporção da carteira).

Já mostrei que, no caso de nossa Mega Sena, os retornos esperados são negativos. Falando em termos de retornos ajustados ao risco, em uma carteira com ações normais e ações-loterias, é atribuível ao investimento em ações-loterias um desempenho abaixo da média médio de 1,1%, indo para 2,5% para os investidores que alocam ao menos 1/3 da carteira nesse tipo de ações. Esses resultados se mantêm se forem levados em conta outras variáveis que poderiam explicar a diferença nos retornos. Também, investidores em ações que não são loterias conseguem retornos superiores, sujeito a outros fatores que influenciam os dois investimentos (vieses comportamentais, por exemplo).

Outras variáveis como o spread bid-ask, viés local (investir em empresas locais) e excesso de confiança não possuem tanto poder explicativo de forma a afirmar que a escolha das ações é mais guiada por esses fatores do que por preferência por ações-loterias.

Uma conclusão do artigo é que investimento em ações-loterias é regressivo, que a preferência por jogar em loterias, decrescente com a renda, que leva a uma preferência por essas ações prejudica os investidores de menor renda.

Comentários meus: Pelo exposto, conclui-se que ações-loterias, em média, produzem retornos baixos com risco alto. O que não significa que não seja possível ganhar dinheiro com essas ações, mas isso exige melhor informação e melhores análises, que certamente têm custos, além de um pouco de sorte (ou talvez muita sorte).

Retornos de ações de empresas financeiramente restringidas – Livdan, Sapriza e Zhang.

Os autores examinam a relação entre retorno de ações e restrições financeiras às empresas. Essas restrições financeiras (financial constrains) referem-se à impossibilidade da empresa em financiar todos os investimentos que são economicamente viáveis, termo diferente do risco de financeiro (financial distress), situação na qual a empresa se torna incapaz de capar seus débitos. Na pesquisa, os dois tipos são separados de forma que só o primeiro seja estudado.

Um importante conceito para entender essa restrição financeira é o déficit de investimentos, que é a diferença entre os investimentos que seriam viáveis sem restrição de capital e os investimentos que são realizados. Empresas com maiores déficits são mais restringidas financeiramente. Esse efeito é maior para empresas menores, já que os investimentos viáveis são mais elevados, dadas as economias de escala, e para empresas já altamente alavancadas, que possuem muito menos possibilidade de levantarem dívida para financiar seus investimentos.

As restrições financeiras se devem, além da alavancagem, às garantias que são oferecidas pelos empréstimos e pelo custo de levantar capital próprio, maior com alavancagem maior e com custos de captação.

O efeito da restrição é que as empresas não podem suavizar os dividendos (fluxos de caixa) conforme os ciclos econômicos, diminuindo a flexibilidade da empresa. No caso de empresas pouco restringidas, quando há um choque positivo de produtividade que aumente os lucros das empresas, há um aumento nos investimentos de forma a não distribuir todo o aumento no lucro. Nos momentos de recessão, as empresas pouco restringidas podem adaptar o estoque de capital vendendo ativos, aumentando os fluxos de caixa (o investimento pode passar a ser negativo) e compensando a queda nos lucros.
Para as empresas restringidas, os dividendos são menos suavizados, havendo restrições aos investimentos nos períodos de prosperidade, já que parte dos lucros devem ser usados para pagar a dívida e reinvestidos para diminuir a alavancagem. Nos períodos recessivos, devido às garantias, há restrição na capacidade de diminuir os ativos fixos, o que impede as empresas de compensarem a queda nos lucros.

A pesquisa do artigo constatou que empresas mais restringidas podem ser definidas como empresas com menores estoques de capital, produtividade específica da empresa menor (se tornando mais dependentes da economia) e atualmente com mais dívidas.

Quanto aos retornos de ações, a pesquisa comprova que, de fato, empresas mais restringidas, de maior risco sistemático, apresentam retornos maiores. Isso ocorre tanto em uma análise univariada (comparando apenas empresas separadas por serem pouco ou muito restringidas) como multivariada (unindo restrição financeira com tamanho).

Segundo estudos anteriores, empresas com maiores relações Preço/Valor Patrimonial investem mais. Nesse estudo, constatou que empresas que investem menos possuem menores relações Preço/Capital. Assim, pode-se dizer que empresas mais restringidas, que investem menos, valem menos. (Na verdade, é "menores relações Valor Patrimonial/Preço", mas estou mais acostumado com o modo como escrevi).

Comentário meu: A implicação disso tudo não é “oba, vamos ganhar dinheiro com empresas pouco flexíveis”. Tudo o que se afirma é que empresas pouco flexíveis são mais arriscadas e, assim, apresentam, em média, maiores retornos ao longo do tempo. Há quem preferia mais risco, há quem prefira menos. O risco está na possibilidade de que essa relação não se observe em determinado período (em um momento bom, essas empresas podem ter desempenho pior) e há o risco de acontecerem recessões (que levam a perdas maiores).

Discussão dos dois textos
Um pequeno tópico em comum com os dois textos. Um texto fala de ações-loterias e outro de ações com risco financeiro elevado (embora apenas de passagem). O primeiro conclui, a partir da própria pesquisa, que as ações-loterias desempenham pior do que as demais ações e o segundo, através de referência bibliográfica, afirma que o retorno de ações com risco financeiro é negativo.

Em geral, não deveria-se esperar retornos abaixo do retorno ajustado ao risco como uma regra para qualquer tipo de empresa. Empresas com essas características, em dificuldades financeiras, podem ser uma exceção. Uma avaliação por fluxo de caixa descontado pode resultar em valores negativos se os fluxos de caixa esperados forem negativos (nada obriga que os fluxos de caixa das empresas uma hora se tornem positivos). Fluxos de caixa negativo significam ou que os acionistas devem aportar recursos para pagar as obrigações da companhia ou que o caixa deve ser usado para isso (não existem dividendos negativos). O próprio valor contábil e o valor de liquidação podem ser negativos, ou espera-se que em breve sejam.

Brinca-se que ações com alta volatilidade se parecem com opções. Pois, em verdade, podem ser avaliadas dessa forma, como Opções Reais. O valor dessa empresa não deriva de seus fluxos de caixa esperados (que podem ser negativos), mas da possibilidade de que se tornem positivos (uma possibilidade baixa) ou de que haja alguma reviravolta. Na média, nada disso acontecerá e os retornos serão negativos ou abaixo do retorno ajustado ao risco.

Uma empresa que precise, para evitar a concordata, pagar sua dívida em três trimestres sem que tenha condições de fazê-lo agora pode ainda conseguir pagar a dívida em três meses. Mas a cada dia que passa sem que isso aconteça, as chances diminuem. Nisso, parece-se com opções.



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