Marcas e Empresas
Juros sobre capital próprio x Dividendos
No Brasil, juros sobre capital próprio (JSCP) é uma maneira alternativa a distribuir resultados, semelhante a dividendos nessa função, mas com diferenças importantes.
Dividendos são isentos de tributação para o investidor, na medida em que o lucro da empresa, origem dos dividendos, já havia sido tributado pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica e cobrar imposto também do investidor configuraria dupla tributação. JSCP, por outro lado, estão sujeitos à cobrança de imposto de renda de 15% exceto para pessoas isentas. JSCP funciona como uma despesa financeira contabilmente, reduzindo o lucro tributável e assim na prática isentando a empresa da tributação. Por força da lei 9.249/95, o valor da dedução de imposto por conta da distribuição de juros sobre capital próprio não pode ultrapassar a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) aplicada ao patrimônio líquido deduzido de reservas de reavaliação. A distribuição de JSCP está condicionada à existência de lucro e à existência de lucros acumulados pelo menos duas vezes superior ao valor do JSCP. (Dito de outra forma, JSCP deve ser no máximo metade do lucro ou dos lucros acumulados).
JSCP parece ser muito mais vantajoso do que dividendos, até porque nem todos os investidores estão sujeitos à tributação do JSCP (algo a ser analisado mais para frente). Tirando a questão dos limites, as empresas deveriam pagar o máximo de JSCP em detrimento dos dividendos. A questão passa a ser: como as empresas tomam a decisão de política de dividendos a partir dessa situação? Um artigo publicado no Journal of Corporate Finance analisa essa questão.
O estudo tem três hipóteses:
1) A probabilidade de que uma empresa pague JSCP está positivamente relacionada com a lucratividade e a razão de distribuição de dividendos.
2) A probabilidade se reduz quanto mais instrumentos para reduzir o pagamento de impostos (NETS, na terminologia dos autores) a empresa dispor.
3) A probabilidade aumenta com o aumento na adoção voluntária a padrões mais elevados de transparência e proteção do investidor.
Os autores analisaram o período 1996 (quando a figura do JSCP foi criada) e 2007. Foram excluídas as empresas que não pagaram nem dividendos, nem JSCP. Excluem também empresas que não são elegíveis a pagar JSCP, como as que têm prejuízo líquido, patrimônio líquido negativo, prejuízo operacional ou sem reserva de lucros acumulados. A amostra é composta por 286 empresas e 1.427 observações ano-empresa.
É importante descrever a variável NETS antes de seguir com a explicação. NETS é dado por:
NETS = Lucro Operacional – JSCP – T/Tc
Tc é a alíquota marginal de imposto de renda e T o quanto a empresa efetivamente paga em impostos. Se a empresa pagou pouco imposto de renda, significa que se valeu de muitos instrumentos de redução da tributação além do JSCP e o NETS é alto. Se pagou muito, então basicamente qualquer redução no imposto de renda se deveu ao JSCP. A variável NETS é dividida pela receita para possibilitar a comparação.
Observando as estatísticas descritivas, nota-se que as empresas mais lucrativas pagam mais JSCP, têm mais depreciação e despesas financeiras (que reduzem o imposto de renda pago) e estão em níveis diferenciados de Governança (Novo Mercado, Nível 1 e Nível 2), embora esse último resultado não seja estatisticamente significativo. São indícios de que as hipóteses estão certas, mas são necessárias análises mais profundas para confirmar esses resultados. Adicionalmente, as estatísticas descritivas mostram que as empresas que pagam mais JSCP são maiores, possuem mais oportunidades de crescimento e base acionária mais dispersa.
Os autores realizaram uma análise Probit para determinar a probabilidade de uma empresa pagar JSCP. O importante aqui é analisar os controles utilizados e quais deles afetam essa probabilidade. Os resultados confirmam que empresas mais lucrativas são mais propensas a pagar JSCP, corroborando a hipótese 1. A relação entre NETS/receita e a probabilidade é negativa, corroborando a hipótese 2. Estar listada em um dos segmentos de governança diferenciada não influencia de maneira significativa a probabilidade de distribuir JSCP, refutando a hipótese 3. Das variáveis restantes, tamanho influencia positivamente, assim como o fato da empresa ter um fundo de pensão como principal acionista, o que talvez indique que esses investidores possam influenciar a política de dividendos da empresa (hipótese levantada, mas não estudada nesse artigo).
Um modelo alternativo é o Tobit, que analisa a proporção de JSCP nas distribuições de caixa ao acionista. Aqui, o único resultado diferente do Probit é que a governança se mostrou significativa, em especial do ponto de vista econômico, essa variável aumentando entre 29% e 35% o pagamento de JSCP. Ou seja, boa governança pode não influenciar se a empresa vai pagar JSCP, mas pode aumentar o seu pagamento nos casos em que isso ocorre.
A próxima análise é a respeito de mudanças na política de dividendos. Agora, a probabilidade em estudo é a de uma empresa que um ano antes só pagava dividendos passar a pagar também JSCP. O foco aqui é em mudança, inclusive nas variáveis independentes, que constam do modelo como variação (de lucratividade, de pagamento de proventos em dinheiro etc.) ao invés de valor absoluto. Empresas que aumentam a lucratividade e a razão de distribuição de proventos se mostraram mais propensas a pagar JSCP. NETS crescente, por outro lado, reduz a probabilidade da empresa começar a pagar JSCP. Aumento na depreciação aumenta a chance de pagar JSCP, o que os autores interpretam como resultado no aumento dos investimentos e a necessidade de gerenciar mais eficientemente o caixa.
Analisando a situação oposta (empresa que paga JSCP e passa a pagar apenas dividendos), mudanças na lucratividade não se mostram muito significativa, mas aumento no NETS aumenta a chance da empresa só pagar dividendos, o que reforça que o grande atrativo do JSCP é realmente a vantagem fiscal.
A análise seguinte se refere à reação do mercado com mudanças na política de dividendos. E aqui os resultados são surpreendentes, com o mercado reagindo mais positivamente (com altas maiores) a anúncios de distribuição de dividendos em relação a anúncios de JSCP. Os autores não falam isso, mas talvez os investidores valorizem mais a isenção fiscal para eles do que para a empresa.
Em resumo, empresas mais lucrativas, que pagam mais proventos em dinheiro e que dispõem de menos meios de obter isenções fiscais são mais propensas a pagar JSCP. Um grande número de empresas ainda não pagam JSCP, talvez por receio da reação do mercado, que favorece mais o anúncio de pagamento de dividendos do que de JSCP.
Barriga de Aluguel
Uma operação que procurava arbitrar a isenção de imposto de renda sobre JSCP para alguns investidores era chamada de “barriga de aluguel”. Um fundo de investimento (isento de IR) alugava as ações de um investidor pessoa física (sujeito a IR), recebia o JSCP e pagava ao investidor original o valor já deduzido de IR, ficando com a diferença. Leia essa reportagemdo Valor Econômico para ver um caso real e público.
Com a popularização dessa operação, o governo se apressou para fechar a brecha fiscal. Na MP nº 651/2014, no artigo 8º, estabelece-se a cobrança de imposto à alíquota de 15% sobre o JSCP recebido por um tomador imune tomando emprestado de um doador sujeito ao IR. Dessa forma, a operação descrita acima não é mais possível. Se o doador também é imune, não há a cobrança de imposto de renda, mas também não havia oportunidade de arbitragem.
A minha pergunta é: como demorou 18 anos para essa mudança ocorrer? Ninguém tinha pensado nisso antes? Ou tinha, fazia a operação e não dava publicidade? De todo modo, a brecha foi fechada.
Payout policy in Brazil: Dividends versus interest on equity
Thomas J. Boulton, Marcus V. Braga-Alves e Kuldeep Shastric
Journal of Corporate Finance. Volume 18. Ed. 4. 2012
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