Marcas e Empresas
O que se vê e o que não se vê
(Ce qu'on voit et ce qu'on ne voit pas)
Frédéric Bastiat
Escrito há mais de 150 anos atrás, esse curto ensaio trata de falácias econômicas comuns em seu tempo e que, apesar de passado tanto tempo, continuam bastante populares nos dias de hoje. O mote do ensaio é seu título, mostrando que efeitos claros de uma determinada prática ou política que trazem benefícios econômicos a uma parte (aquilo que se vê) escondem malefícios para alguma outra pessoa ou custos ocultos (aquilo que não se vê). Há efeitos visíveis e aquele que devem ser previstos e geralmente as consequências imediatas são favoráveis enquanto que as consequências futuras são negativas (alguns dirão que tudo bem, já que estaremos mortos no longo prazo).
Nos próximos parágrafos, o resumo de cada seção do ensaio.
Janela quebrada. Quebrar uma janela é algo negativo, mas veja pelo lado bom, o vidraceiro ganhará um negócio e o que seria dos vidraceiros se janelas nunca fossem quebradas? O que se vê é o vidraceiro ganhando um negócio. O que não se vê é outra pessoa, um livreiro, por exemplo, perdendo já que o dinheiro que iria para a compra de um livro vai para o conserto da janela. O dono da janela sai prejudicado, já que, sem o acidente, ele teria uma janela e um livro a mais, enquanto que com o acidente ele continua na mesma situação, com uma janela e nenhum livro adicional. Destruição não traz prosperidade, apenas destrói riqueza; de outra forma, as economias cresceriam absurdamente se saíssemos quebrando janelas.
Desmobilização de tropas: O que aconteceria se milhares de soldados fosse dispensados assim que não forem mais necessários, quando a guerra acaba, por exemplo. O efeito imediato visível seria milhares de desempregados jogados no mercado de trabalho e perdas para a indústria, já que o exército tem seus gastos e a renda dos soldados é utilizada na compra de algum produto. O que não se vê é que o dinheiro que vai para o exército e para os soldados surge de algum lugar, não outro senão dos pagadores de impostos*. O dinheiro que deixa de ir aos soldados fica com os pagadores de impostos que irão gastar de alguma forma. Quanto ao mercado de trabalho, com essa liberação de recursos dos impostos, a oferta de trabalhadores é acompanhada pela demanda através dos meios necessários para o pagamento de salários. Se manter tropas desnecessariamente fosse algo bom para a economia, melhor do que manter seria recrutar toda a população para servir o exército mesmo que não seja necessário, o que é uma proposição absurda.
Impostos: De forma equivalente, a arrecadação de impostos é vista como positiva, já que aumenta o gasto governamental que irá para ajudar as pessoas e isso estimularia a indústria. O que não se vê é o mesmo do ponto anterior, o dinheiro gasto pelo governo deixa de ser gasto pelo pagador de imposto. Se o gasto governamental fosse dirigido a alguma atividade útil e necessária (supondo que isso exista), não haveria problema. Do contrário, o pagador de impostos deixa de gastar consigo e dá dinheiro para que políticos gastem com outros ou com consigo próprio (o político), sendo essa última possibilidade bastante comum. Como o autor escreve na seção seguinte, gasto público é substituto de gasto privado (substituto em termos quantitativos, não necessariamente qualitativos).
Subsídio às artes: Algo que ocorria nos tempos de Bastiat e continua a ocorrer é o subsídio estatal às artes. Argumentar contra os subsídios se confunde com ser contra o que se subsidia, ir contra a manutenção estatal de museus, por exemplo, confunde-se com ser contra museus. A decisão de manter qualquer atividade econômica deve ser de baixo para cima, deve partir das pessoas, não dos políticos. Se algo deve ser mantido ou crescer, as pessoas é que devem trabalhar para isso. Subsídio deve ser feito, mas pelas pessoas por sua livre escolha, não autoritariamente pelo estado. Como escreve Bastiat, a fé de quem assim pensa está na humanidade, não nos legisladores. Outro argumento a favor do subsídio é que isso cria emprego. Como visto anteriormente, não cria emprego nem cria gastos, apenas os realoca de forma contrária a que a fonte desses recursos (o pagador de imposto) desejaria.
Obras públicas: Os políticos têm diversos argumentos em favor de obras públicas. Se a obra em questão for falha em trazer algum benefício para a sociedade (como se discute com os estádios para o Copa do Mundo), bem, pelo menos esses gastos criam empregos. Seria um ato de caridade propor cavar buracos apenas para tapá-los novamente, como propôs Napoleão (segundo o autor) e futuramente Keynes. De fato, se vê os trabalhadores na obra pública; o que não se vê são os desempregados em outras obras que seriam financiadas pelo dinheiro que foi tirado pelos impostos. Como em outros casos, o dinheiro acaba por criar confusões. Se, ao invés disso, as pessoas fossem reunidas e ordenadas a trabalhar na construção de algo e a recompensa fosse o usufruto desse algo, não haveria benefício algum se esse algo fosse inútil (uma estrada que ninguém usará, por exemplo).
Intermediários: Há quem veja os intermediários como parasitas, ganhando sem produzir nada. Tudo o que os intermediários fazem é aproximar ofertantes e demandantes que podem estar fisicamente distante. Há outras formas de realizar transações econômicas. O demandante poderia ir direto ao ofertante o que pode ser difícil com grandes distâncias, como entre Paris e Odessa, no exemplo do autor. Outra alternativa seria o estado assumir a função do intermediário. Mas de onde viria o ganho para a sociedade? O estado seria mais eficiente em prever a demanda dos consumidores, economizaria em custos de transporte? A eliminação da margem não seria uma economia, na medida em que os agentes estatais teriam que receber para trabalharem nessa função, esse custo podendo ser igual ao lucro do intermediário. Além de não haver nenhuma fonte clara de ganho, há de perdas, já que impostos têm que ser coletados (o que tem seu custo além do tributo pago) e seria inevitável ocorrer abusos e injustiças dessa intervenção estatal. Se fosse levado a sério essa antipatia por intermediários, qualquer parte da estrutura de produção poderia ser considerado um intermediário, com a extração de minério, a siderurgia e a montagem de carros, por exemplo, sendo fases intermediárias da produção e deveriam ser sujeitas à mesma antipatia.
Restrições ao comércio: O protecionismo tem um apelo bem simples: protegendo os produtores nacionais, cria-se emprego no país, o dinheiro fica no país e é gasto no país. A razão de haver protecionismo é haver um produtor externo mais eficiente capaz de vender o mesmo produto a um preço menor ou um produto similar de maior qualidade (do contrário, não seria necessário tomar qualquer atitude para o produtor interno prevalecer). Com isso, o produtor interno ganha e o externo perde; isso se vê. O que está oculto é o consumidor, que perde com as medidas protecionistas ao ter que pagar mais pelo mesmo produto e deixando de gastar em outros produtos de sua preferência, resultando em peso morto (como o próprio autor escreve). Por fim, a restrição ao comércio pode ser imaginada como colocar guardas nas fronteiras impedindo com o uso da força a tentativa de comércio. Não é porque há uma lei que legitimize isso que a situação deixa de ser o que é, uma violência.
Mecanização: A mecanização é uma atividade mal vista. Um primeiro argumento a seu favor é comparar a sociedade atual, altamente mecanizada, com sociedades de outrora com menor mecanização, podendo voltar ao tempo das cavernas. Não é difícil se convencer que estamos em melhor situação hoje do que antes. A mecanização de uma atividade reduz o trabalho empregado. Pensando na mecanização de uma atividade doméstica (lavar roupa, por exemplo), isso é indubitavelmente positivo, já que o tempo extra sem o uso do utensílio é gasto em outras atividades mais agradáveis (argumentos meus, não do autor). Para produção de bens ou prestação de serviços, a redução no trabalho reduz o emprego, eliminando postos de trabalho. Se vê a perda de emprego em uma atividade imediatamente após a mecanização. O que não se vê é que o recurso pago para o trabalhador é utilizado em outro lugar, o que vai gerar emprego nesse outro lugar. Essa economia de recursos pode não significar lucros maiores para o produtor para sempre, na medida em que competidores podem realizar a mesma mecanização e buscar maior mercado reduzindo preços, o que levaria a um benefício ao consumidor que também significa mais empregos em outras atividades. Outro efeito é o de aumentar a produtividade, na medida em que mais trabalho pode ser feito, o que novamente beneficia o consumidor.
Crédito: Uma medida vendida como sendo benéfica aos pobres é aumentar o acesso a crédito. É ótimo que isso ocorra de forma natural, com uma maior poupança para aumentar o crédito sendo canalizada para os que não teriam crédito de outra forma. O problema se dá nas intervenções governamentais, mais especificamente (na análise de Bastiat) no subsídio, que não faz aumentar a taxa de poupança e ao invés de aumentar o crédito só o realoca. Ganha quem recebe o crédito (o que se vê) e perde quem deixa de receber ou o pagador de imposto que paga o subsídio ou o seguro do crédito (o que não se vê).
Colonização: Ter colônias parece ser um bom negócio, ao transferir desempregados do país para a colônia dando emprego a eles, estimulando a economia do país com negócios metrópole-colônia ou colônia-metrópole. O argumento contrário já foi explorado nas seções anteriores: isso apenas transfere gasto privado para gasto público e destrói negócios que seriam feitos não fosse a coleta de tributos.
O principal ponto do autor é contra gastos públicos que não beneficiem os pagadores de impostos em atividades úteis. Pelo exemplo do autor, pagar ao estado para contratar policiais e manter segurança pública é algo que beneficia o pagador de impostos e o livra de ter que ter o mesmo trabalho. Porém, gastar em inutilidades ou em algo que beneficia apenas a algumas pessoas, prejudicando as demais, traz mais perdas do que benefícios para a sociedade, fazendo com que os recursos sejam gastos de uma forma que as pessoas não desejariam. Infelizmente, muita da ação governamental é exemplificada pelo segundo tipo de gastos, não pelo primeiro. Quando os propositores deixam de considerar o mérito principal do gasto e passam a pendurar argumentos acessórios (como a criação de empregos) é sinal de que esse gasto governamental deveria ser evitado.
Parcimônia e luxúria: Nessa questão, a análise moral e econômica da maioria das pessoas parece se diferenciar. Na parte moral, a luxúria (considerado um pecado) deveria ser evitada e a moderação é recomendada; avareza também é considerada pecado, mas gastança desmedida parece ser algo menos desejável moralmente. Mas, analisando economicamente, a luxúria parece ser mais benéfica para a sociedade. O autor dá o exemplo de dois herdeiros, um que torra a fortuna herdade e outro que incorre em alguns gastos, mas poupa parte substancial. O primeiro é visto como um benfeitor, na medida em que seus imensos gastos geram rendas para muitas pessoas, enquanto que o outro pouco acrescenta para a sociedade com seus gastos. O que não se vê é que o dinheiro do poupador não fica parado, é poupado e utilizado pelo próprio poupador para a aquisição de capital ou deixado em um banco para ser emprestado. Chegará um tempo em que o gastador terá liquidado todo seu capital enquanto que o poupador poderá não só ter mantido, mas aumentado seu capital e continuará beneficiando a sociedade com seus gastos e com sua poupança por muito mais tempo. Parece paradoxal, mas poupar é gastar.
Direito a emprego e direito a lucrar: Como quase um resumo dos pontos anteriores, Bastiat discute duas medidas governamentais, uma para garantir empregos e outra para garantir lucros (protecionismo). Se vê um lado da moeda, o benefício aos contemplados, mas não se vê os custos, os impostos pagos pela sociedade.
O ensaio é curto e escrito em uma linguagem bastante simples, apesar de antigo e apesar de ser um texto técnico. Acredito ser uma leitura recomendada para todas as pessoas, inclusive crianças ou adolescentes, e seria benéfico que as pessoas não se deixassem enganar por falácias desacreditadas há séculos.
Outros textos interessantes do mesmo autor são A Petição, onde fabricantes de vela pedem para o governo banir a concorrência desleal do sol, proposta que não pode ser rejeitada sem rejeitar outras restrições ao comércio exterior, Ferrovia Negativa, que mostra como é absurda a ideia de que uma parada obrigatória do trem é benéfica ao argumentar o absurdo que seria se houvessem muito mais dessas paradas obrigatórias, e Balança Comercial, que questiona a ideia de que balança comercial positiva é um lucro quando se vende produtos mais valiosos importando produtos menos valiosos.
O livro está disponível em versão eletrônica no site do Ordem Livre juntamente com outros textos do autor. Quem preferir a versão impressa, pode participar dos sorteios no Twitter do mesmo site (como fiz) ou comprar no site Book Depository ou na Livraria Cultura, sendo que no primeiro é mais barato e o prazo de entrega menor, mas exige cartão de crédito internacional. Nos dois casos, o livro está em inglês e não conheço edição física em português. Outra alternativa bem em conta é simplesmente imprimir o livro, que é bem pequeno. Para quem desejar uma versão em áudio, tem a do Librivox, que é grátis.
* Uma crítica que é feita ao ensaio é que não considera outras fontes de receita governamental, como a dívida pública e a emissão de dinheiro. Essa omissão torna a análise incompleta, mas não errada.
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