Marcas e Empresas
Preferências políticas e decisão de investimentos
(Red and blue investing: Values and Finance)
Harrison Hong e Leonard Kostovetsky
Journal of Financial Econonics. Volume 103. Ed. 1. 2011
Em outro texto, escrevi sobre um artigo que analisou a relação entre a escolha de investir em ações e as preferências políticas. O artigo de Hong e Kosovetsky analisou como a escolha entre o partido Democrata ou o GOP (como é conhecido o partido republicano) afeta a decisão de investimento de gestores de fundos. Especificamente, estudou como a doação a um dos partidos aumenta ou diminui os investimentos em empresas "socialmente responsáveis". Ou seja, examina se outros fatores além do risco e do retorno, como os valores políticos, afetam a decisão de investimentos.
Os autores obtêm informações sobre os gestores na Morningstar, CSRP e Thomson Reuters e cruzam com dados sobre contribuições eleitorais obtidas no site da Federal Elections Commitee (é impressionante e assustador a quantidade de informações de posse do governo). O gestor é classificado como simpatizante de um partido se doa mais para campanhas eleitorais desse partido do que para o outro, sendo considerado não doadores os que não realizam doações e os que doam igualmente entre os dois partidos. Os doadores também são subdivididos de acordo com o valor de doação (forte doador ou doador normal). Outras informações sobre os gestores como as notas no exame SAT foram coletadas de diversas fontes. Dados sobre a carteira dos fundos foram obtidos na CSRP, COMPUSTAT e o status de fundo socialmente responsável (SRI - Social Responsible Investment) está em acordo com o Social Investment Forums. Os fundos não considerados de SRI são analisados com base na composição de suas carteiras e examinado se os gestores investem mais ou menos em ações de empresas socialmente responsáveis de acordo com suas escolhas políticas. Isso é feito classificando as ações como PSI (political sensible investment) com base na indústria que fazem parte, sendo consideradas PSI empresas de tabaco, armas e defesa, recursos naturais, álcool e cassinos ou analisando as notas da base de dados KLD. Também é possível classificar essas ações como "pecadoras".
Começando pelas estatísticas descritivas, a maioria dos gestores não são doadores, os que doam são mais velhos e possuem maior nota do exame SAT. A proporção de gestores de fundos de SRI entre os democratas é bem maior do que entre os republicanos (8,4% vs. 2,9%) especialmente entre os maiores doadores (11,9%). Na média, há mais doações para os republicanos do que para os democratas.
Excluindo fundos de SRI, nota-se que os democratas investem menos em ações "pecadoras", exceto na categoria "outros vícios" (álcool e jogo, que são sensíveis a questões religiosas e não apenas políticas e sociais), onde as médias são parecidas. As notas da base KLD, que medem o desempenho da empresa em diversas áreas (atividades comunitárias, diversidade e relações trabalhistas), são calculadas somando pontos fortes e subtraindo pontos fracos. A carteira dos fundos geridos por democratas possuem ações com maior KLD médio ponderado por valor. Analisar o investimento em ações politicamente sensíveis e também em empresas socialmente responsáveis é útil para confirmar os resultados e para examinar se o comportamento do gestor se dá exclusivamente por evitar as primeiras ou também por preferir o segundo tipo.
Mas não é possível tirar quaisquer conclusões apenas baseando-se em estatísticas descritivas. A primeira análise dos autores é sobre o investimento em ações politicamente sensíveis controlando-se por tamanho e Valor Contábil/Valor de mercado, excluindo-se fundos de SRI. Por exemplo, alguns fundos podem incluir participações consideráveis de algumas das ações pecadoras porque estão de acordo com outros critérios como tamanho e valor. A variável de interesse nas análises é a participação residual, investimentos não atribuíveis à estratégia do fundo.
Os resultados confirmam as estatísticas descritivas, com democratas investindo menos em PSI (residual negativo) e republicanos mais (residual positivo), com a diferença entre os dois sendo de -0.86% (estatisticamente significativa) e maior considerando apenas os fortes doadores. Não doadores também investem mais em PSI e a diferença com os republicanos em geral não sendo estatisticamente significativa, de forma que os resultados provavelmente se dão mais por conta do comportamento dos democratas e dos fortes doadores para o partido rival do que pelo comportamento geral dos simpatizantes do GOP. O que não quer dizer que os resultados são devidos a algumas observações anormais (outliers). Os autores analisaram os gestores em termos de sub ou superinvestir em PSI mais ou menos de 3%, a distribuição sendo a esperada (mais democratas subinvestem e menos superinvestem, por exemplo). Os resultados se deveriam a outilers caso um pequeno número de democratas deixam de investir em PSI ou um pequeno número de republicanos investem mais em ações pecadoras.
As carteiras também foram analisadas em termos de notas da KLD, os resultados sendo coerentes com os obtidos classificando as ações em politicamente sensíveis ou não. Ou seja, democratas investem mais em ações com boa classificação em responsabilidade social do que os republicanos, a diferença sendo maior para fortes doadores (os autores não relataram se há diferença estatística entre não doadores e republicanos).
A próxima análise é considerar outros fatores e examinar de outra forma as contribuições partidárias e o gerenciamento de fundos de SRI (que são incluídos na base, com a inclusão também de uma variável que indique que o fundo é de SRI). As variáveis dependentes são de novo o residual do PSI e do KLD. Os resultados confirmam que doadores ao partido democrata investem menos em ações de empresas politicamente sensíveis. Cruzando com a diferença média de doações aos democratas entre os simpatizantes de cada partido (lembrando que é considerada a doação líquida a um partido para definir sua "filiação), chega-se a um número semelhante ao da análise anterior (-0.74% comparando com -0.86%). Das demais variáveis de controle, apenas a dummy que indica que o fundo é de SRI e a nota no exame SAT são significativas, as duas com sinal negativo. A explicação para o efeito da nota SAT é que as universidades de elite dão mais importância para "indústrias em crescimento", que não são consideradas politicamente sensíveis. Note-se que o efeito do fundo ser classificado como de SRI é de -1,6%, de forma que o efeito médio das doações aos democratas é metade do efeito médio da classificação de SRI.
Em termos de nota da KLD, os resultados também são parecidos com a análise anterior, tanto em termos de direção (democratas investem mais em empresas consideradas socialmente responsáveis) quanto de magnitude (o diferencial de notas nessa análise é de 12, contra 11 na outra análise). Examinado as variáveis de controle, apenas a dummy de SRI, o fato de o gestor ser mulher e o tamanho da família de fundos (os dois últimos com impacto negativo). Os autores não fornecem explicações para esses dois últimos resultados.
Os autores examinam se é mais determinante os gestores se afastarem de empresas politicamente sensíveis ou preferem empresas socialmente responsáveis. Fazem isso separando as notas positiva e negativas da base KLD. De forma geral, o efeito das notas negativas é maior, mas os autores evitam tirar conclusões porque os coeficientes dessa desagregação não são significativos e não há controle por correlação (empresas com muitos pontos fortes geralmente possuem poucos pontos fracos), mas fica o registro.
Se as evidências sobre ações pecadoras estiverem corretas, os gestores democratas podem não estar fazendo corretamente seu trabalho ao negligenciarem ações com retornos maiores. Os autores analisaram o desempenho dos fundos da base de dados em termos de retornos líquidos, modelo de quatro fatores e o modelo de Daniel at. al. (1997). Não é encontrada nenhuma diferença significativa (em termos estatísticos e econômicos) de desempenhos. Não obstante, é possível que os gestores tenham incentivos para incorporar suas preferências pessoais apenas porque a estrutura de remuneração não pune isso. Hedge funds possuem remuneração mais ligada ao desempenho e maior participação dos gestores nas cotas, o que dá mais incentivo a buscar retornos superiores. Os autores analisam os hedge funds na medida do possível (já que uma série de informações estão ausentes), e replicando a análise controlando apenas por estilo (tamanho e valor), encontraram resultados similares, de forma que a remuneração não explica os resultados.
Por fim, os autores testam hipóteses alternativas como a de causalidade reversa (primeiro o gestor investe e depois doa), de que há um efeito "casa" (a doação de gestores da mesma casa influência o comportamento dos outros e explica a alocação de carteiras), de que o comportamento do eleitorado explica a alocação de investimentos e de que as ligações com o presidente da empresa é que determinam a alocação, nenhuma dessas hipóteses servindo para rejeitar a inicial.
Esse estudo possui diversas implicações. A principal é que, apesar do número de fundos de SRI poder ser baixo, um grande contingente de gestores (os democratas) se importando com responsabilidade social dá mais importância para o SRI, o que pode afetar o custo de capital das empresas, que deveriam se importar mais com o tema de forma a atrair mais investidores.
Como coloquei nos outro texto sobre preferências políticas e também no texto sobre religião, mais importante do que particularizar em termos de católicos, republicanos ou social-democratas é observar que diversas características pessoais dos investidores afetam as decisões de investimento, em linha com o que Statman escrevera anteriormente.
(Nota: O título do artigo se refere às cores dos partidos, vermelho-republicano e azul-democrata, e não à pílula azul ou vermelha do Matrix, que não deixa de ser uma sugestão interessante de pesquisa).
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Fonte da Foto: David Smith
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