Marcas e Empresas
3 das 23 coisas que não contam sobre o capitalismo
(Não estou recomendando esse livro, mas quem quiser comprá-lo tem o link acima. Quem preferir o ebook, pode comprar aqui).
23 things they don’t tell you about capitalism)
Ha-Joon Chang
Penguin Books. 2010
Esse livro lista 23 coisas que os defensores do capitalismo não falam sobre o sistema que defendem. Não li o livro todo e fui direto a dois pontos que já foram tratados aqui.
Coisa 2: Empresas não deveriam ser gerenciadas pelo interesse de seus donosNão há muita “coisa” de nova nessa coisa. É a mera repetição de maus entendidos e raciocínios duvidosos.
Na contra argumentação que se segue à argumentação “capitalista” o autor diz que a melhor maneira de maximizar valor é pensar apenas no curto prazo, maximizando lucros de curto pazo em detrimento dos investimentos de longo prazo e maximizando o dividendo sobre o lucro diminuindo a parcela dos lucros reinvestidos, o que reduziria o potencial de crescimento da empresa. A resposta ao economista coreano é: 좀 모자라는. Já tratei dessas duas questões aqui, tanto a do foco no curto prazo (que não maximiza o valor da empresa) quanto a de tentar aumentar o valor da empresa distribuindo mais dividendos.
Ainda nessa contra argumentação, o autor aceita que o acionista é o que corre mais riscos por não ter garantias de rentabilidade, mas argumenta que também é o mais móvel dos stakeholders (supondo que acionista seja stakeholder da própria empresa deles), logo, não é tão arriscado assim. O motivo dessa mobilidade é que os acionistas podem vender as suas ações a qualquer momento, enquanto que outras partes interessadas não podem mudar de posições tão rapidamente (um empregado não consegue trocar de emprego com a mesma facilidade e um consumidor pode não conseguir mudar de fornecedor tão rapidamente). Alta liquidez reduz o risco (ou melhor: não tem os problemas da baixa liquidez), mas não elimina o risco. O funcionário ou o cliente pode mudar de empresa e o fará se esperar que isso seja mais vantajoso. O acionista pode fazer o mesmo, mas nem sempre conseguirá ter algum ganho no seu investimento anterior. Algo análogo pode ser dito para os funcionários (que poderiam receber salários maiores em outras empresas) ou para os clientes (que poderiam ter comprado um produto que gerou um benefício inferior ao seu preço), mas isso está mais ao controle deles do que está para os acionistas/investidores.
No restante do capítulo, o autor mostra como Karl Marx foi um defensor da empresa de responsabilidade limitada e de capital disperso (seria mais fácil a transição para o socialismo quando os donos do capital não controlam diretamente a empresa) e mostra como a situação ficou pior desde 1980 quando o valor ao acionista entrou em voga. Nesse último ponto, o Chang repete a falácia do autor de outro artigo (aqui comentado) de atribuir tudo que há de mal a um dentre bilhões de fatos ocorridos em um período. Piora na igualdade de renda, diminuição dos investimentos como parcela do PIB, aumento nos lucros como parcela da renda nacional e outros fatos podem ter (e têm) uma porção de outras explicações além da adoção de uma prática (supostamente) majoritária entre os presidentes das empresas.
Ainda segundo o autor, as empresas aumentam lucros reduzindo o investimento. Independente do que se pense sobre o objetivo das empresas, isso não é verdade. Investimento não é custo, não reduz lucro. O único impacto negativo no lucro é a depreciação, uma parcela dos investimentos que é contabilizada como custo trimestralmente. Investimento impacta negativamente os fluxos de caixa (dividendos ou recompra de ações) e depreciação não impacta o fluxo de caixa. O argumento poderia ser corrigido ao dizer que seria possível aumentar o valor da empresa pagando dividendos ao máximo. Porém, a argumentação continua incorreta. Se a empresa tem projetos de investimento com VPL positivo, investir ao invés de distribuir dividendos aumenta o valor, e deixar de fazer isso é, no mínimo, deixar passar boas oportunidades de aumentar o valor da empresa.
O autor escreve que a GM poderia ter se salvado da concordata se, ao invés de recomprar ações, tivesse mantido esse dinheiro no banco. Essa é uma possibilidade, e existem infinitas outras maneiras de ter evitado os problemas da GM que não são relacionadas com a política de dividendos.
Outra das falácias recorrentes que o autor repete é, ao final da exposição sobre os supostos efeitos que a busca por valor ocasiona, dizer que isso é ruim para a empresa no longo prazo. A novidade é questionar: se é ruim para a empresa, é ruim para os acionistas? O autor argumenta que não, pois os acionistas têm mobilidade e podem se desfazer das ações quando desejarem. Primeiro, nada garantem que o farão com lucro (quando uma empresa vai à falência ou perde grande parte de seu valor, um monte de acionistas perde dinheiro por não terem usado a sua mobilidade). Segundo, alguns acionistas podem ter grande parcela da empresa e se interessariam mais pelo futuro da empresa, o que mudaria o problema do foco para o acionista para os problemas da estrutura acionária dispersa que não levaria a empresa a pensar no longo prazo (hipótese a se verificar). O autor chega a argumentar que é uma boa idéia ter ações com direitos diferenciados para que a família fundadora mantenha o controle da empresa e se preocupe com o longo prazo (entende-se como uma boa prática a existência de uma única classe de ações, prática chave do Novo Mercado brasileiro). Terceiro, ignora como o valor da empresa é formado, através do desconto dos fluxos de caixa futuros. Quarto, ignora que investidores ativistas podem adquirir o controle de uma empresa que julguem abaixo de seu potencial e tentar lucrar com o ganho de valor que melhores práticas podem trazer.
Para encerrar triunfalmente, o autor cita Jack Welch e sua famosa “essa é provavelmente a idéia mais idiota do mundo” ao Financial Times. Essa fala foi mal interpretada e mal colocada na reportagem do FT, como eu já apontei e como Welch se explicou em entrevista à Business Week.
Coisa 22: Mercados financeiros precisam ser menos, e não mais eficientesO autor trata dos efeitos deletérios da inovação financeira e do aumento do setor financeiro na economia. O primeiro ponto da argumentação é citar os exemplos da Islândia, Irlanda, países do leste europeu e Dubai que tiveram problemas bancários nos últimos anos. O culpado por esses problemas seria a desregulação financeira. Comentei um artigo que mostrava os benefícios da desregulação financeira, porém a situação não é análoga com a desses países, ficando apenas o registro que desregulação teve efeitos positivos em um caso específico (fim das limitações de agências interestaduais).
Outro ponto da argumentação é dizer que os derivativos sobre hipotecas foram uma das principais causas da crise. Outro artigo que eu comentei tratou disso. Alguns desses instrumentos foram mal utilizados e outros mal projetados, mas a causa principal foi a intervenção governamental no mercado imobiliário, com os derivativos sendo uma causa auxiliar. (O site do Instituto Mises Brasil possui diversos artigos sobre isso reunidos neste link).
O ponto principal da argumentação é que a alta liquidez do capital financeiro (em contraposição com a baixa liquidez do capital físico) é que provocou essas crises e que provoca outros problemas como o sub-investimento. Na minha opinião, a liquidez não cria crises, apenas as revela. Quanto ao sub-investimento, não há porque abandonar projetos rentáveis, apesar de serem de longo prazo, por aplicações menos rentáveis, mas de curto prazo, como sugere o autor, conforme minha argumentação anterior. Os remédios propostos por Chang são igualmente duvidosos: taxas sobre transações financeiras (ver opinião de Aswath Damodaran sobre isso), controlar as tentativas de tomada de controle hostis (beneficiando os administradores incompetentes que destroem valor), limitar a venda a descoberto (e impedir que más notícias sejam incorporadas aos preços dos ativos), aumentar requisitos de margem nos mercados futuros e colocando restrições à movimentação de capitais.
Coisa 4: A máquina de lavar mudou o mundo mais do que a internetEu não li essa coisa, logo, não tenho como dizer se os argumentos são ou não válidos. Só tenho um pequeno comentário a fazer. Comprei o ebook desse livro através do site britânico Book Depository, pagando uma bagatela de US$ 21,33. Na Saraiva e na Cultura, a versão física do livro está disponível, mas por encomenda e demoraria semanas para chegar. Graças à internet, pude adquiri-lo assim que tive interesse (e após longa pesquisa). Minha máquina de lavar nunca faria isso!
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