Marcas e Empresas
DELFIM NETTO: 'As agências de classificação de risco são todas 171'
Ex-ministro defende rebaixamento de S&P, Fitch e Moody"s para DDD-
A nota "AAA" é a melhor classificação que uma agência de risco pode dar a um país, restando aos piores, os não confiáveis, um D. Com sorriso maroto, o economista e ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Delfim Netto não hesita em reduzir a nota das agências de risco, como a S&P, para DDD- e ironiza o rebaixamento dos EUA. Ele só não é o mesmo de antigamente, porque, aos 83 anos, está ainda mais sarcástico: "As agências são todas 171". Ele poupa, por ora, a equipe econômica do governo brasileiro. Mas alfineta a política de juros altos do Brasil dizendo que ele é "o último peru disponível com farofa na mesa dos investidores, fora do Dia de Ação de Graças".
Logo depois que a S&P rebaixou a nota dos Estados Unidos, de "AAA" para "AA+", os títulos americanos continuaram sendo muito procurados. Não é um contrassenso?
DELFIM NETTO: Depois da decisão, a demanda por títulos americanos foi quatro vezes maior que a venda. É a prova de que a S&P está desmoralizadíssima, porque só fez tolices nos últimos anos. E não foi só ela. As agências de rating são especialistas em fechar o portão depois que a boiada foi embora.
Que nota o senhor daria para as agências?
DELFIM: A pior nota, DDD -. As agências de rating nunca demonstraram capacidade de previsão. Elas são, o que se classifica no Código Penal Brasileiro de 171, porque vendem o que não têm. Logo, é um estelionato. As agências de rating são um modelo falido e vão acabar se dissolvendo, porque simplesmente não valem nada. Tem que ser muito ingênuo para acreditar e levar a sério as notas que elas dão. Elas são fruto de um conluio que se estabeleceu no mundo. Na verdade, o sistema financeiro é igual ao criminoso: ele adora voltar o local do crime.
O Federal Reserve, banco central americano, anunciou redução da taxa de juros americana por um longo prazo. Desta vez foi uma medida acertada?
DELFIM: Ele não podia fazer outra coisa. Mas não podemos perder de perspectiva que até o banco central americano está dividido, assim como o Congresso. A votação do Fed teve três votos dissidentes e, todos eles, de pessoas reconhecidas como as mais competentes do board da instituição. Dois deles são professores prestigiadíssimos: Narayana Kocherlakota e Charles Plosser. O terceiro é um operador de mercado de altíssima competência: Richard Fisher. Os Estados Unidos estão sofrendo de uma ausência de liderança.
O mundo mal curou-se da ressaca da crise financeira global de 2008 e já mergulhou numa nova turbulência. Existe algum ponto de interseção entre a crise das hipotecas e a atual?
DELFIM: São crises diferentes. A de 2008 foi uma interrupção do circuito econômico. Ela foi produzida por uma desregulação extravagante da atividade financeira, seguida de uma solução muito ruim, que foi a falência do Lehman Brothers. Mas o que está acontecendo nos Estados Unidos é completamente diferente do que está ocorrendo na Europa. Enquanto a crise americana é fruto de uma crise de confiança, na Europa, existe um problema de solvência e não de liquidez.
O senhor acha que o presidente Obama foi eficiente no combate à crise de 2008?
DELFIM: De jeito nenhum. Ele acabou salvando quem produziu aquela patifaria e, hoje, quem está pagando a conta é quem leva a vida trabalhando honestamente. Os Estados Unidos têm hoje 25 milhões de pessoas desempregadas ou subempregadas. A consequência é que os estímulos dados para combater a crise das hipotecas de 2008 não surtiram efeito. E hoje o presidente está sendo alvo de uma enorme crise de confiança.
Na sua avaliação, qual foi o principal erro do presidente Obama?
DELFIM: O grande problema é que, na tentativa de corrigir os excessos, ele acabou sendo severo demais com o setor produtivo. E, por outro lado, deu um tratamento muito benéfico para o setor financeiro. Claro que ele tinha a obrigação de ajudar o setor. Mas não precisa salvar os patifes responsáveis pela crise. Em 2008, ao contrário da crise de 29, nenhum banqueiro acabou preso.
E a crise europeia?
DELFIM: O euro é uma construção política importantíssima, porque colocou em paz um continente que tem uma história de mil anos de guerra. Mas o euro não é uma área monetária ótima. Hoje, a Europa não tem solução a curto prazo, a não ser que haja uma acomodação das dívidas de todos os países que fazem parte da zona do euro. A Europa depende de uma solução coordenada e definitiva. Acho que a crise europeia vai durar de cinco a seis anos, mesmo depois de se chegar a acordo global.
O senhor acha que o Brasil vai conseguir passar ileso por esta crise?
DELFIM: Somos parte do mundo, por isso é uma ilusão acreditar que estaremos blindados. Vamos pagar o preço de estar no mundo e vamos sentir isso nas nossas commodities. Ainda assim, acho que o país tem condições de crescer perto de 4%.
Já que o contágio é inevitável, estamos preparados para enfrentar esta crise?
DELFIM: Acho que sim. Porque o Brasil tem um mercado interno forte, seguro. Temos uma política monetária razoável, assim como uma política fiscal bem melhor do que as pessoas querem acreditar. A presidente Dilma Rousseff está indo com muito cuidado. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tem se desincumbido muito bem. Ele fez muito bem ao jogar o objetivo da meta para 2012, porque assim o PIB vai sofrer um tombo menor. E o ministro Guido Mantega (da Fazenda) tem se comportado muito bem.
Reduzir os juros seria uma forma de enfrentar esta crise?
DELFIM: O Brasil já é, há três ou quatro anos, o último peru disponível com farofa na mesa dos especuladores, fora do Dia de Ação de Graças.
Então somos apetitosos para os investidores?
DELFIM: O Brasil jogou fora a grande oportunidade de baixar os juros em setembro de 2008. Na ocasião, deveríamos ter trazido os juros reais para 3%. Só que o BC se acovardou e o governo não tinha muita convicção. Se tivéssemos aproveitado, hoje estaríamos discutindo uma redução da Selic para algo como 7,5% a 8%. Mexer nos juros sim, mas só quando chegar a oportunidade. O Brasil pode viver tranquilamente com juros de 3%. Mas os juros é só um dos remédios. Para enfrentar a crise, temos que preservar o mercado interno. Não se pode estimular o desânimo no consumo
OGlobo14/08/2011
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