Joseph Heath, 1ª ed. 2009. Edição brasileira da Editora Campus.
Um filão literário até há pouco inexplorado foi descoberto por economistas: o de livros que procuram explicar de uma maneira simples economia para não economistas. Muitos autores recorrem a temas cotidianos nem sempre diretamente ligados à economia, alguns até banais. É uma opção válida, mas eu pessoalmente preferiria um livro que trate de temas mais relevantes de uma maneira simples. É disso que se trata o livro de Heath.
O autor discute doze questões (separadas igualmente em falácias da direita e falácias da esquerda) que são mal entendidas até por economistas ou pessoas “esclarecidas”. Resolvi separar a resenha em dois textos, um para as falácias da direita e outro para as da esquerda, para melhor tratar de cada uma.
O capitalismo é natural: Mercados não surgem espontaneamente e precisam do Estado para funcionarem. O autor cita as três leis fundamentais de Hume: proteger a propriedade privada, assegurar a voluntariedade da troca e fazer cumprir contratos. Sem um Estado, é impossível assegurar que essas três propriedades fundamentais do capitalismo existam. As pessoas poderiam muito bem valer-se do esforço de outra pessoa para benefício próprio, poderia obrigar alguém a agir contra a vontade dela e mudar acordos se isso a beneficiar. O interesse próprio e a autoregulação são insuficiente para garantir que os acordos sejam cumpridos. É necessário um Estado monopolista do uso legítimo da força para que isso aconteça.
Alguns programas sociais (ou assim podem ser chamados) do Estado como a responsabilidade limitada ou garantias a depósitos são contrárias a princípios liberais, mas são úteis para estabilizar o sistema (e os capitalistas não reclamam, já que isso os beneficia). E só o Estado pode promover tais “programas sociais”.
Os incentivos são importantes: Os incentivos são importantes, mas não são tudo. A discussão nesse capítulo remete à economia comportamental e mostra que as pessoas se preocupam com outros fatores. Questões como status social, justiça, o modo como o problema é apresentado, viés de autocongratulação e contabilidade mental tornam a questão muito mais complicada do que se supõe, podendo geral resultados práticos diferentes ou até inversos aos esperados desconsiderando esses efeitos. Porém, como ressalta o autor, desconsiderar que as pessoas reajam a incentivos também é a principal falha do pensamento econômico de esquerda.
A falácia do plano sem atrito: O autor trata do Teorema do Segundo Melhor, segundo o qual a falha de uma condição para uma situação ótima pode comprometer a eficiência das demais condições, mesmo que perfeitamente satisfeitas. Um mercado 90% perfeitamente competitivo não alcança 90% da eficiência de um mercado perfeitamente competitivo. Constatações desse tipo põem em dúvida a eficácia da adoção de modelos altamente idealizados sem que todas as condições sejam satisfeitas. Porém, como o autor coloca, não é porque os mercados falham nesse sentido que os governos conseguem fazer melhor.
Os impostos são muito altos: A direita reclama que o Estado é grande demais. Também, afirmam que o Estado não produz riqueza, e sim o mercado/as empresas. A última afirmação é falsa: o mercado também não produz riqueza, mas tampouco consome (igualmente para o governo). As pessoas produzem e consomem riquezas e o Estado e o mercado são apenas duas maneiras das pessoas se organizarem para produzir e consumir.
Duas analogias. As pessoas pagam uma taxa para se matricularem a uma academia, essa academia usa essas taxas para comprar equipamentos e as pessoas usam esses equipamentos “de graça”. Essa forma de organizar o consumo é útil, já que seria muito ineficiente uma pessoa pagar para comprar equipamentos de ginástica que, em geral, serão pouco usados por essa pessoa. Outro exemplo é o condomínio, onde os condôminos pagam uma taxa para que certos bens e serviços sejam comprados e possam ser usados “gratuitamente” pelos condôminos. Essa forma de organizar acaba reduzindo o efeito carona: seria extremamente injusto uma pessoa pagar pelo elevador ou pela segurança quando todos os condôminos se utilizam desse serviço. Também, seria ineficiente cada um construir um elevador ou contratar seu próprio segurança.
O governo funciona de modo semelhante. As pessoas pagam tributos para que sejam comprados certos bens ou prestados serviços que beneficiem as próprias pessoas. A diferença é a liberdade pessoal: enquanto as pessoas podem escolher se filiar a uma academia ou morarem em algum lugar que cobre condomínio, as pessoas não podem escolher pagar tributos (por definição, de pagamento obrigatório).
A questão sobre o quanto pagar de tributos (ou taxa de condomínio, ou mensalidade da academia...) tem a ver com o “nível de compartilhamento ótimo” do bem ou do serviço e a liberdade individual de escolha. Com certos bens (como uma escova de dentes) só é recomendável que uma pessoa use, enquanto que outros podem ser usados por mais pessoas (uma academia) e outros é mais eficiente que a população inteira compartilhe (seguridade social, segurança nacional etc.). Porém, quanto mais se compartilha, mais as pessoas perdem de liberdade de escolha. É difícil afirmar que haja um condomínio que tenha apenas o que alguém gostaria que tivesse e é difícil que o governo forneça um produto (exemplo mais uma vez da seguridade social) que atenda as necessidades de todas as pessoas. Há, então, uma troca entre compartilhamento e liberdade de escolha.
Essa discussão, porém, também respinga na esquerda. Se é inadequado falar que diminuição do tamanho do Estado é sempre bom, falar que todo aumento é bom também é inadequado exatamente pelo mesmo raciocínio.
Não competitivo em tudo: Em se tratando de comércio internacional, o mais importante não é a vantagem competitiva, mas a comparativa. Comparativamente, nenhum país pode ser pior em tudo. Se um país importa produtos de um país, paga ao exportador com sua moeda. O exportador vai querer fazer alguma coisa com essa moeda, seja comprar produtos do país importador, seja investindo na moeda local. Em qualquer momento, poderia haver uma transação de moedas do importador ou do exportador com um terceiro, mas isso não muda o fato de alguém externo ter moeda do país importador, que usará essa moeda para importar produtos ou investir em moeda.
Esse raciocínio não defende nem ataca o comércio internacional, só derruba a falácia do não competitivo em tudo. Essa argumentação também vale para a esquerda. A direita quer protecionismo alegando que as empresas perderiam em tudo para a concorrência estrangeira, o que levaria a uma grande onda de falências e perda de riqueza dos empresários. A esquerda alega o mesmo, mas sua ameaça trata dos empregos que seriam perdidos por conta da concorrência estrangeira. Ambas as justificativas para o protecionismo estão erradas.
Responsabilidade Pessoal: Parte importante do pensamento de direita é o da responsabilidade pessoal. As pessoas são responsáveis por seus atos e devem colher frutos ou sofrer punições dependendo dos atos praticados. Se alguém está em má situação, provavelmente fez algo (ou deixou de fazer) para chegar nisso. Ajudar os outros criaria um problema de risco moral: seguras de um nível de vida satisfatório, algumas pessoas diminuiriam seus esforços e pegariam carona nos esforços de outros. Programas sociais podem ser entendidos como um seguro social que inevitavelmente criaria esse problema de risco moral ao se aplicar a todos e não haver, em geral, necessidade de contrapartida.
Esse pensamento tem alguns acertos, mas o autor aponta falhas capitais. O problema do risco moral não é criado pela intervenção governamental, e sim pela mera existência do seguro. Certos sinistros (como gravidez na adolescência) não contam com um mercado privado, de forma que o governo tem que oferecer esse seguro, arcando com os custos de seleção adversa e risco moral. É ruim que esses seguros sociais existam, mas seria pior se não existissem.