Quatro livros e um artigo sobre a bolha ponto com.
Como a picaretagem conquistou Wall Street
Antes de tratar do lado luminoso, tratarei um pouco do lado sombrio da teoria, também, lado sombrio da prática. Francis Wheen em seu Como a picaretagem conquistou o mundo (How mumbo-jumbo conquered the world) dedicou algumas páginas para a bolha no último capítulo.
A euforia com as empresas de tecnologia tinham como um dos impulsionadores algumas idéias sobre economia que se mostraram erradas. Os comentários do artigo e dos livros abaixo são correções desses erros e começarão com uma citação tirada do livro de Wheen. Às vezes, os comentários revolucionários com as novas tecnologias eram frutos da euforia e da ignorância. Mas, em alguns casos, os comentaristas estavam fazendo comentários desonestos, como o caso de um analista de uma corretora de valores que classificava em particular as empresas que elogiava em público como “papéis sem valor”, “uma porcaria”, “uma b...”. Esse analista foi investigado e processado por Elliot Spitzer, o mesmo Spitzer que viria a ser governador de Nova York e posteriormente renunciaria ao cargo por conta de um escândalo sexual.
O livro ainda relata como essa euforia tomou conta da imprensa que passou a fazer o papel de mídia propriamente dito (há um pouco disso ainda hoje). A Fortune que e 1996 havia questionado sobre se não havia uma loucura no mercado, deparando-se com uma alta no mercado persistente, passou a ser menos questionadora. Tal como ocorreu com a bolha imobiliária, as vozes dissidentes eram tratadas como catastrofistas e antipáticas.
Economia da Estratégia (vulgo Besanko, escrito por David Besanko, David Dranove, Mark Shanley e Scott Schaefer)
“Ao contrário de outras bolhas famosas, a bolha da Internet flutua sobre alicerces sólidos como a rocha, talvez mais sólidos do que qualquer outro já visto pelo mercado. Por baixo das elevações enlouquecidas dos preços encontram-se os alicerces daquelas que podem vir a ser as empresas de maior crescimento do século XXI”. Pg 290
Esse livro trata dos princípios econômicos gerais que explicam o sucesso e o fracasso das empresas. Não é um guia de “como gerenciar” feito para ser de fácil digestão e de simples aplicação. É um livro que mostra como enxergar as atividades das empresas em termos de princípios gerais (economias de escala, de escopo, diferenciação, redução de custos etc.) que são utilizados para analisar qualquer empresa, em qualquer período de tempo e que continuarão a fazê-lo até que novas teorias melhores surjam (o que não ocorreu com as empresas de tecnologia). Na terceira edição, pós-estouro da bolha, não é sem satisfação que os autores tripudiam dos anúncios do advento de nova era feito pelos entusiastas da nova economia, das declarações de que “as regras haviam mudado”. Do prefácio da terceira edição, pós-bolha: “Agora sabemos que as regras não se alteraram em sua essência, e aqueles que pensaram ao contrário sofreram quase sempre consideráveis perdas”, indicando que a nova economia segue as mesmas regras da velha economia.
Estratégia e Internet (Michael Porter)
“Não se tratava de saber se aquilo tinha um bom modelo de negócios, mas de poder ou não passá-lo adiante para um bobo maior, negociando as ações”. Pg 288-289
Autor conceituado de estratégia competitiva, Porter comenta sobre a crença que se criou que a Internet tornou desnecessária a estratégia, argumentando justamente o oposto, que a estratégia é essencial como nunca antes.
Nesse artigo, o autor afirma que as empresas de internet não criavam valor. Receitas, custos e o próprio valor de mercado das empresas não eram sinais confiáveis de prosperidade. E a necessidade de criar novos indicadores de sucesso das empresas – número total de visitas, número de visitas únicas ou número de cliques – apenas indicava que as empresas não estavam criando valor.
A principal tese desse artigo é que as novas empresas podem ser analisadas utilizando antigas ferramentas como as que ele próprio criou – ou seja, análise da indústria, de vantagens competitivas e de cadeia de valor. O autor passa então a examinar pelas lentes dessas teorias bem estabelecidas o efeito da internet na competição entre as empresas, mostrando que não é necessário reinventar a teoria.
Dark Side of Valuation (Aswath Damodaran)
“Toda ela [a Internet] introduziu um admirável mundo novo de metodologias de avaliação, e este é um momento de riscos e retornos [correção minha] especialmente altos a nosso ver” Pg 287
A idéia desse livro é que muitos analistas que se viram incapazes de compreender essa nova economia e, conseqüentemente, analisar as empresas foram “seduzidos” pelo lado sombrio da avaliação e passaram a recorrer a simplificações rasteiras e à criação de novos indicadores em nada relacionados com lucros e muito menos com fluxos de caixa. Um parêntese: a tradução do título da versão brasileira é errônea: o dark side a que se refere o título é o da série Star Wars, não ao dark side of the moon, face oculta da lua (a consulta ao site do livro deixa isso ainda mais explícito).
Porém, não é necessário recorrer ao lado escuro da força para avaliar empresas: as antigas técnicas continuam sendo perfeitamente válidas. O valor da empresa continua vindo dos fluxos de caixa que essa empresa gerará, não no número de visitas que gera/irá gerar. Os princípios econômicos expostos por Besanko e seus colegas e os modelos básicos de avaliação continuam válidos, só que a evolução da tecnologia e da economia impõem constantemente novos desafios práticos e teóricos e recorrer ao “mudança de paradigmas” não é a melhor solução.
Para terminar, outras frases curiosas tiradas do livro de Wheen:
“Temos uma resposta geral para a palavra “valorização” hoje em dia: mercado em alta” Pg. 287
“Se elas cumprirem o prometido, as valorizações se arranjarão sozinhas” Pg 287
“Os preços elevadíssimos de hoje provavelmente se justificarão para muitas empresas, a longo prazo” Pg. 289
“O simples fato de o fenômeno das ações da Internet parecer uma bolha não é uma indicação certeira de que a bolha irá estourar” Pg 290