Retenção de lucros
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Retenção de lucros


Há quem diga que é bom distribuir dividendos porque dividendos são bons para os acionistas e aumentá-los os beneficia. Outros dizem que é melhor reter lucros, reinvestindo para o crescimento da empresa. O que é melhor, distribuir ou reter?

Uma maneira de ver Finanças Corporativas é dividir em três tipos de decisões: investimento, financiamento e distribuição de resultados. Por simplicidade, vou tratar apenas do efeito da política de investimentos na distribuição de resultados.

Primeiro, uma discussão sobre Finanças Corporativas. O objetivo das decisões de Finanças Corporativas é maximizar o valor da empresa. Na parte de investimentos, isso é feito executando projetos de valor presente líquido positivo, ou seja, cujos fluxos de caixa futuros trazido a valor presente sejam superiores ao investimento realizado. A etapa seguinte é financiar esses investimentos, podendo ser feito com a emissão de novas ações, endividamento ou com retenção dos lucros. Ao invés de distribuir todo o lucro que obteve, a empresa pode reter parte desse lucro, incorporando-o ao patrimônio líquido e investir nos projetos da empresa.

O conceito de fluxo de caixa livre ao acionista (FCFE) reconhece a necessidade de utilizar os lucros para reinvestir na empresa. O investimento necessário pode ser para financiar novos projetos ou manter os projetos atuais e é geralmente separado em investimento em capital fixo e em capital de giro.

O FCFE pode ser calculado como:
FCFE = Lucro Líquido – (Capex-Depreciação) – Investimento em CG – Variação na dívida

Capex é o investimento em capital fixo. O segundo termo (– (Capex-Depreciação)) indica que o importante é o investimento líquido, além do necessário para cobrir a depreciação. Se o investimento em capital for igual à depreciação, não houve aumento no capital fixo. A variação da dívida leva em conta que os investimentos podem ser financiados por dívida. A interpretação do FCFE é o quanto a empresa pode distribuir em dividendos ou em recompra de ações. Se negativo, a estimativa deveria ser de que a empresa fará uma emissão de ações ou se financiará com dinheiro em caixa (ver aqui).

Como dito, esses investimentos podem ser feitos tanto para projetos novos quanto para manter os projetos antigos. No cálculo da perpetuidade (período em que a taxa de crescimento se estabiliza), deve-se estimar a distribuição de dividendos de forma que a rentabilidade da empresa permaneça a mesma. Isso é feito através da seguinte conta:

Taxa de retenção = Taxa de crescimento/ROE

E a taxa de distribuição de dividendos é 1 – taxa de retenção.

Para que a conta acima atinja os resultados desejados (manutenção do ROE), deve-se definir ROE como Lucro Líquido do período 1 dividido pelo Patrimônio Líquido do período anterior.

E o valor da empresa, considerando uma taxa de crescimento constante perpetuamente, é dado pela equação:

(Dividendos no período 1) / (Custo de Capital – Taxa de crescimento).

Com essa introdução, é possível discutir o assunto principal. Imagine uma empresa que tenha perspectivas de manter uma taxa de crescimento constante de 6% e custo de capital de 10%. O lucro líquido no período 0 é de $ 100,00. A taxa de distribuição de dividendos, segundo a equação dada acima, é de 40% e o dividendo no período 1 é de $ 42,4 (100*1,06*0,4). O valor da empresa é de $ 1.060.

Imagine que a empresa tenha um novo projeto que exija um investimento no período 1 e que gere fluxos de caixa apenas no período 2. Para simplificar, a taxa de crescimento e o custo de capital do novo projeto são iguais ao do resto da empresa. O investimento é de $ 42,4, ou seja, todo o dividendo que seria distribuído naquele período. Vale a pena investir no projeto? Depende de quanto esse projeto gerará de fluxos de caixa. Se o valor presente desses fluxos for igual ou superior ao investimento, então vale a pena o investimento. Os acionistas deixam de receber um dividendo no período 1, mas receberão mais dividendos nos períodos seguintes, e essa troca vale a pena.

Se o dividendo gerado pelo novo projeto for de $ 1,696 e o crescimento do dividendo será igual ao crescimento da empresa, o valor presente desse projeto na data 1 é de $ 42,40 (1,696/0,04), igual ao fluxo de caixa que abre-se mão no período 1, de forma que o valor presente líquido é nulo. O valor da empresa não se alterará. Trazendo o valor presente do projeto para a data 1 resulta em VP de 38,55. O valor dos projetos antigos, excluindo o dividendo do período 1, é de $ 1.021,45 (42,4*1,06/0,04/1,1). Somando 1.021,45 com $ 38,55 resulta em $ 1.060,00.

Se for superior, o projeto novo terá um valor presente maior e superior ao investimento. Se for de $ 2,00, o VP é $ 50,00 na data 1 e $ 45,45 na data 0. Somando $ 45,45 com $ 1.021,45 resulta em $ 1.066,90, maior do que os $ 1.060,00 originais. Outra forma de calcular é utilizando o antigo. Somando o VPL do novo projeto na data 0, que é 6,91 ((50-42,4)/1,1)) e o valor dos projetos antigos resulta no mesmo valor de $ 1.066,90 (desconsiderando os arredondamentos).

Caso o projeto gere poucos dividendos, haverá destruição de valor. Se o dividendo na data 2 for de $ 1,00, o valor presente no novo projeto será se $ 22,73 na data 0, levando a empresa a assumir o valor de $ 1.044,18, menor do que os $ 1.060,00 originais.

A conclusão é: a empresa deve reter os lucros caso haja projetos com valor presente líquido positivo onde poderá reinvestir esses lucros. Na ausência desses projetos, o melhor é distribuir os dividendos. Os exemplos acima são bastante simplificados. Aumentar a complexidade, deixando de utilizar cálculos de perpetuidade no começo do período, levando em conta a dívida e outras questões tornam a análise mais realista, mas não vai mudar o princípio básico de criação de valor por meio de projetos de valor presente líquido positivo.

A discussão foi sobre distribui menos dividendos do que o necessário para apenas manter o crescimento da empresa. O que acontece se houver a distribuição de mais dividendos, retendo menos lucros do que seria necessário para manter o crescimento da empresa? Tema para outro texto.

Isso mostra uma consequência indesejada da obrigação das empresas de distribuir no mínimo 23,75% de dividendos (como há outra obrigação, a da constituição de reserva legal de 5%, a obrigação dos 25% incide sobre 95% do lucro, resultando em 23,75% do lucro). A empresa poderia utilizar os dividendos que deve distribuir em seus projetos e criar valor aos acionistas. Pode se financiar captando dinheiro junto aos acionistas, exigindo um investimento adicional ou diluição dos dividendos (ver aqui). Porém, isso implica custos para a empresa.

Esta planilha ajuda a entender a situação. Apenas a pasta “Reter lucros...” refere-se a esse texto. A outra refere-se ao futuro texto sobre distribuir mais dividendos.



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