Marcas e Empresas
Avaliação Relativa
Em textos passados, escrevi sobre o método do fluxo de caixa descontado. É um método intensivo em dados e em análises intermediárias, repleto de uma complexidade que sequer comecei a expor nos meus textos anteriores.
Um método mais simples é a Avaliação Relativa, que analisa como um ativo está sendo avaliado em comparação a outros. Uma maneira de fazer isso é gerar um índice (“múltiplo”), usando como numerador o valor de mercado e no denominador uma variável contábil. Junto com isso, pode-se controlar as diferenças escolhendo empresas “parecidas” de forma a compará-las. Essa maior simplicidade, porém, é altamente enganosa.
Vamos partir do modelo do fluxo de caixa descontado para se chegar ao modelo de avaliação relativa. O exemplo será dado com o índice Preço/Lucro, que é a base para as demais (para se chegar aos outros, basta multiplicar o P/L por outra variável).
O valor da ação de uma empresa que cresça a uma taxa estável é dado por:
Preço = Dividendo por ação / (Custo de Capital - Crescimento Esperado) (I)
Dividindo os dois lados por Lucro:
Preço/Lucro = Razão de Distribução / (Custo de Capital - Crescimento Esperado) (II)
Razão de distribuição = Dividendos / Lucro (ou seja, é a porcentagem do lucro que é distribuido na forma de dividendos)
O P/L então é uma função da razão de distribuição de dividendos, da taxa de desconto e do crescimento. Uma empresa que tenha a mesma razão de distribuição e o mesmo crescimento que outra, mas é mais arriscada, vale menos. Com mesma razão de distribuição e mesmo risco, a que cresce mais vale mais. Por fim, com o mesmo risco e o mesmo crescimento, a empresa que precisar reter menos lucro (e distribuir mais dividendos, por consequência) é mais eficiente e por essa razão vale mais. Qualquer análise que desconsidere esses determinantes poderá incorrer em erros.
A mesma análise pode ser feita usando outro modelo de avaliação do patrimônio líquido, usando o fluxo de caixa livre do Patrimônio Líquido, por exemplo. Usar outro padrão de crescimento (com um período de crescimento extraordinário e outro estável, por exemplo) resulta no mesmo, só as fórmulas ficam mais assustadoras.
Uma maneira de controlar pelas outras diferenças além do tamanho (dado pelo lucro) é calcular a relação P/L/C (Preço/Lucro/Crescimento) que é apenas dividir o P/L pelo crescimento esperado. Com isso, leva-se em conta o crescimento, mas ainda não considera as outras variáveis. Mesmo assim, a margem de erro é reduzida.
É possível com a fórmula (II) para calcular o P/L justo, mas não se ganha nada com isso em relação ao modelo do fluxo de caixa descontado. Os dois métodos devem, necessariamente, se equivaler. Outras três formas de se usar a Avaliação Relativa são:
1) Usar a relação P/L/C, comparando com empresas com risco e razão de distribuição semelhantes (ou desconsiderar esses fatores, com menos margem de erro dessa vez).
2) Filtragem Passiva: De uma lista de empresas, elimina-se as empresas de baixo crescimento e de alto risco. Um exemplo, tirado do livro Investiment Fables é eliminar as empresas com: P/L acima de 12, Betas acima de 1, desvio padrão anualizado acima de 60%, relação Dívida/(Dívida mais Patrimônio Líquido) acima de 60% e crescimento (esperado e histórico) abaixo de 5%. As empresas que passam por esses filtros são candidatas a compra. O que vale aqui é o exemplo, não os números exatos.
3) Regressão Linear (tipo Cross-section): É possível fazer uma regressão linear de mínimos quadrados adotando o P/L de uma série de empresas como variável dependente e como variáveis independentes o crescimento projetado (na falta dele, o histórico), a razão de distribuição e o Beta. Essa análise gera um P/L projetado para cada empresa e são consideradas baratas as ações que estão abaixo de seu P/L projetado. O livro Valuation (Alexandre Póvoa) possui um exemplo brasileiro dessa análise.
Uma limitação da Avaliação Relativa é que o resultado da análise é um julgamento de se a ação está super ou subavaliada em relação às outras ações, mas que nada diz sobre se o conjunto opera com preços acima ou abaixo do seu valor. Seria possível que uma ação pareça barata em um setor caro (pense no auge da bolha ponto com) e pode ser que uma ação pareça cara, mas que todas as ações estejam baratas (como, talvez, pode estar acontecendo agora).
Por fim, uma lista de práticas comuns, mas nem por isso corretas:
1) Idéia fixa: Alguns comparam o múltiplo com um número fixo (15, digamos) e consideram todos os múltiplos acima disso caros. O problema disso já foi abordado aqui: dividir o preço pelo lucro líquido não elimina todas as diferenças entre as empresas.
2) Referencial desorientador: Outra abordagem é tomar como referência o P/L do mercado como um todo ou o da Petrobras, por exemplo (sob a “premissa” de que esta é a melhor empresa e logo deve ser a mais valiosa em termos relativos). No primeiro caso, as empresas diferem da média de mercado e no segundo caso... sem comentários!
3) Comparar com o setor. É comum comparar os múltiplos de uma empresa com as demais do setor e classificar como mais barata a de menor múltiplo. Porém, mesmo empresas de um mesmo setor podem diferir muito entre elas. Restringir a análise a um setor não controla por todas as diferenças.
4) Calcular o P/L de uma ação PN como diferente do P/L de uma ação ON. Isso é errado, já que se trata da mesma empresa. Uma explicação do erro é que, ao fazer isso, o que se faz é atribuir o valor de um tipo de ação ao outro tipo. Mas, ora, se valessem a mesma coisa, não teriam preços diferentes!
No canto direito do blog, registro o P/L do mercado (328 empresas) e da relação Preço / Valor ontábil, junto com outras informações. Tentarei atualizar diariamente essas informações, mas nem sempre será possível.
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