Pode uma ação valer menos do que seu valor contábil?
Marcas e Empresas

Pode uma ação valer menos do que seu valor contábil?


Em outro texto, falei dos modelos de avaliação relativa. Um dos múltiplos discutidos foi o P/VPA. A pergunta do título pode mudar para: pode a relação P/VPA ser menor do que 1? Refinando a pergunta: isso pode acontecer justificadamente, que não seja fruto de um pânico repentino?

Sim, é possível. O caso mais trivial é quando o Patrimônio Líquido é negativo. Só que a recomendação geral é não usar o múltiplo quando o denominador for negativo. Tanto que isso distorce a análise. O número sugere subavaliação (P/VPA baixo), mas o valor de mercado (estritamente positivo) é superior ao contábil (que é negativo, nesse caso).

Mesmo com Patrimônio Líquido positivo é possível que a relação P/VPA esteja, justificadamente, abaixo de 1. E não é por conta da expectativa da empresa ter uma redução no valor contábil (com um prejuízo, por exemplo). Uma empresa pode ter sempre lucro e mesmo assim valer menos do que seu Patrimônio Líquido (no final do texto, um exemplo).

Um pouco de matemática pode elucidar o caso. O P/VPA de uma empresa que cresça a uma taxa constante é deduzido a partir do P/L:

Preço/Lucro = Razão de Distribuição de Dividendos/(Custo de Capital – Crescimento)

Multiplicando pelo Lucro e Dividindo pelo Patrimônio Líquido (ou seja, multiplicando pelo ROE):

Preço/PL = Razão de Distribuição de Dividendos*ROE/(Custo de Capital – Crescimento)

Custo de capital = Custo do Patrimônio Líquido
ROE = Retorno sobre o Patrimônio Líquido
PL = Patrimônio Líquido (Valor Patrimonial).

A taxa de crescimento pode ser estimada usando informações contábeis. Seria:

Crescimento = Razão de retenção*ROE

A razão de retenção é o complementar da razão de distribuição. A intuição é: a empresa crescerá de acordo com o que reinveste e com a eficiência com que esse reinvestimento se dá.

Substituindo a Razão de Distribuição por (ROE- Crescimento)/ROE

P/PL = (ROE – Crescimento) / (Custo de Capital – Crescimento)

E chegamos a algo que as Finanças Corporativas já ensinam faz tempo: a empresa gera valor (possui valor de mercado acima do valor contábil) se investe em projetos com rendimento acima do seu custo de capital. O ROE pode ser entendido como a rentabilidade conjunta de todos os projetos da empresa.

Esse raciocínio matemático foi retirado do livro Investment Valuation, frequentemente citado aqui, e também consta do livro Valuation Methods and Shareholder Value Creation de Pablo Fernandez. Para quem não se convenceu, usando o modelo do Valor Econômico Adicionado para o Patrimônio Líquido chega-se ao mesmo resultado. Por questão de concisão, não mostrarei isso.

Se for adotado um padrão de crescimento que inclua um período de crescimento extraordinário, as contas mudam. A relação muda um pouco, mas as conclusões são parecidas. Pode ser que uma empresa que atualmente tenha uma rentabilidade baixa possa vir a ter uma rentabilidade elevada no futuro, após um período de crescimento extraordinário e isso afeta a relação P/VPA.

O mesmo raciocínio pode ser feito usando modelos de avaliação da empresa (acionista mais credores), mudando o que tem que ser mudado. A soma do valor de mercado das ações e da dívida será maior do que o valor contábil se o retorno sobre o capital investido for maior do que o custo médio ponderado do capital.

Por fim, um pouco de prática. Ao contrário do que a mídia (imprensa mais meios de comunicação mais tendenciosos), a Petrobras e a Vale em momento algum foram negociadas perto do seu valor contábil (hoje está bem longe). Os menores preços da Petrobras após a divulgação do balanço do terceiro trimestre de 2008 foi R$ 21,40 e R$ 17,98 (ordinária e preferencial, respectivamente), o que resulta em P/VPA de 1,25. Mesmo atribuindo o preço da preferencial para a ordinária (o que não é adequado), o P/VPA fica em 1,12. No período anterior à divulgação do terceiro trimestre, a Petrobras foi negociada bem acima do valor contábil. Para a Vale, a menor relação P/VPA foi de 1,20 e atribuindo o preço da preferencial para a ordinária a relação seria de 1,14. Diferença de 12% e 14% não são grandes, mas dizer que são valores próximos é absurdo. Atribuo isso a uma propaganda que foi feita (e ainda está sendo feita) por difusores dessa idéia para chamar compradores para o que eles julgam ser as únicas boas empresas do Brasil.

Usiminas e Gerdau estão sendo negociadas abaixo de seu valor contábil (26/02/2009). Banco do Brasil, na mínima de 2008, ficou quase exatamente em seu valor contábil (os outros bancos passaram longe).

Um caso crônico é o da Eletrobrás. Em 26/02/2009, a companhia valia 34% de seu Patrimônio Líquido. Nos finais de Março, o melhor momento foi em 1998 quando foi negociada a 47% de seu Patrimônio Líquido (referente a 1997). Apesar de não ter registrado nenhum prejuízo no balanço anual de 1995 até 2007 (e tendo de 1995 a 1998 o maior lucro das empresas hoje de capital aberto), o maior ROE ao final do ano foi justamente em 1997, 5,48% (atualmente, com o quarto trimestre de 2007 e os nove primeiros meses de 2008, está em 5,62%). É uma empresa ineficiente que, por conta disso, vale menos do que o seu Patrimônio Líquido.




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