Marcas e Empresas
Desempenho de IPOs
Na literatura sobre ofertas públicas iniciais (IPOs), dois fenômenos são recorrentes no que diz respeito ao retorno das ações de empresas que abrem capital. Há um elevadíssimo retorno no curto prazo, porém, essas mesmas ações parecem ter um desempenho de longo prazo inferior. São dois puzzles, duas aparentes anomalias da hipótese de mercados eficientes que não encontraram ainda explicações muito satisfatórias e não desapareceram com o passar do tempo.
No curto prazo, geralmente utiliza-se o retorno no primeiro dia, calculado como a diferença porcentual entre o preço de fechamento no primeiro dia e o preço de lançamento da oferta. Utiliza-se a janela de tempo de uma semana ou de um mês, mas o mais usual é o primeiro dia.
Uma das primeiras referências sobre os retornos no primeiro dia é Ibbotson (1975). Nesse artigo, o retorno médio era de 11,4% no primeiro mês para as ofertas realizadas nos Estados Unidos.
Esses números variam muito ao longo do tempo e, como apontado pro Ibbotson, a distribuição dos retornos é oblíqua, com muitos retornos extremos na parte direita (positiva) da distribuição.
O gráfico abaixo mostra os retornos médios no primeiro dia das IPOs realizadas nos Estados Unidos. As ofertas são agrupadas por meses, mas os retornos são diários (no primeiro dia). A fonte dos dados é de Jay Ritter e o gráfico é uma atualização daquele que estava em Ljungquivst (2007)
No Brasil, contando as ofertas realizadas a partir de 2004 (começando com a Natura), a média simples é +4,87%, a mediana é 1,43% e a média ponderada por volume da oferta é 9,63% (a fonte de todos os resultados relativos ao Brasil sou eu mesmo). Como é possível imaginar comparando a mediana e as médias, a distribuição é muito desigual, com alguns retornos muito acima da média distorcendo a média.
Exatamente 24,8% das ofertas tiveram queda no primeiro dia, 14,40% tiveram retorno nulo e o restante subiu. O único ano em que o retorno médio foi negativo foi 2008 (-2,11%) muito por conta da pior baixa no primeiro dia (LLIS3, -20%). 2010 caminhava para isso até que a Brasil Insurance mudasse a tendência (terminou o ano com +1,48%).
Isso não ocorre apenas no Brasil e nos Estados Unidos. Jay Ritter mantém um documento (com uma pequena contribuição minha) que mostra a média dos retornos no primeiro dia para diversos países, todos registrando altas no primeiro dia. Segundo Ritter, o país onde há maiores retornos no curto prazo é a China (+164,5) e na Rússia os retornos são menores (4,2%). Perceba-se que, computando apenas o período começando em 2004, o Brasil não estaria longe da parte inferiores desse ranking.
Longo Prazo
Porém, no longo prazo, a história é outra. A dificuldade de se analisar essa (e outras questões correlatas) é encontrar uma medida de referência para se dizer se um determinado grupo de ações teve desempenho superior ou não (superior ou inferior a que?). As ações de empresas que abriram capital podem até subir, mas se outra alternativa de mesmo risco ter tido um desempenho superior, investir nas IPOs não teria sido uma boa ideia. Diversos estudos trataram dessa questão e todos os que serão agora discutidos se referem ao mercado dos Estados Unidos.
A primeira referência é Stoll e Curley (1970), que se referia a ofertas em geral e constatou-se um retorno inferior dessas emissões comparado com um antecessor do S&P 500. Para o período entre 1975 e 1984, Ritter (1991) utilizou como comparação o índice Nasdaq (já que a maioria das empresas analisadas listaram-se nesta bolsa), o S&P 500, um grupo de ações com características semelhantes a cada empresa analisada e uma carteira com ações de baixa capitalização (característica comum das IPOs nos EUA). A comparação é feita ajustando o retorno da ação pelos quatro índices listados acima (um de cada vez) em uma janela de tempo de 36 meses (excluindo o retorno no primeiro dia). Isso é feito para todas as ofertas na amostra. As IPOs se saem pior ao final de todas as comparações. A riqueza relativa de quem investe em IPOs ao invés de investir em uma empresa comparável é de 83%, perda relativa de 17%. O resultado negativo se mantém dividindo as ofertas pelo tamanho, pelo retorno inicial ajustado na comparação com a empresa comparável e na maioria dos setores de atuação.
Loughran e Ritter (1995) mostraram que isso não ocorre apenas com IPOs, mas também com empresas que realizam ofertas subsequentes, de forma que esse é um puzzle relativo a ofertas de ações de forma geral. Os autores repetiram muitas das análises anteriores para as ofertas subsequentes, estenderam o período de análise das IPOs para entre 1970 e 1990 e incluíram a janela de tempo de cinco anos, chegando aos mesmos resultados (desempenho negativo das empresas que emitem ações). Na maioria das análises, o desempenho das IPOs é ligeiramente superior ao das ofertas subsequentes. Uma inovação em relação ao artigo anterior é utilizar o modelo de três fatores de Fama e French (aliás, o principal artigo desse modelo foi lançado em 1993, entre os dois artigos citados). O resultado dessa análise é alfa negativo para os emissores de ações. Isso poderia explicar porque algumas ações de empresas que anunciam oferta subsequente caem após o anúncio, mas essa queda é muito tímida para eliminar o desempenho negativo dessas empresas.
Ritter e Welch (2002) atualizam as análises anteriores de Jay Ritter para o período 1973-2001. A diferença entre as IPOs e índices gerais de ações é de -23,4% e na comparação com empresas semelhantes a diferença é -5,1%. Os números mais atualizados indicam -20% e -7,2% respectivamente. O alfa da análise por meio do CAPM ou do modelo de três fatores é negativo na maioria das periodicidades analisadas.
Porém, há alguns estudos que servem como contraponto. Brav e Gompers (1997) fizeram uma análise semelhante, mas acrescentando à análise a diferenciação entre as ofertas com e sem investimento anterior de empresas de Venture Capital ou Private Equity (“com investimento anterior” ou “sem investimento anterior”). O período de tempo é entre 1972 e 1992. No modelo de três fatores, o alfa para as empresas sem investimento anterior é positivo, mas não estatisticamente significativo. Já para as empresas sem investimento anterior, o alfa é negativo, de forma que talvez o desempenho negativo de longo prazo seja mais associado a essa variável. Outro fator que pode influenciar é o tamanho. Separando as ofertas em três tercis com base no tamanho, as ofertas sem investimento anterior que estão no tercil superior não possuem alfa distinguível de zero.
A próxima análise dos autores é sobre a diferença do desempenho das IPOs e das demais ações. Os autores montaram 25 carteiras em uma matriz tamanho x VPA/P para as IPOs e ofertas subsequentes e todas as demais ações exceto IPOs e ofertas subsequentes. A maior parte das IPOs está concentrada na célula baixo tamanho e baixo VPA/P e, nessa célula, o retorno de longo prazo das ofertas iniciais é superior ao retorno das ações de mesma características do mercado em geral, sem que isso signifique as essas ofertas iniciais tiveram um bom desempenho exceto na comparação com outras ações com as mesmas características. Ou seja, muito do alfa negativo obtido nas análises anteriores se deve ao mau desempenho de ações de baixo tamanho e baixo VPA/P em geral, havendo, portanto, mais um fenômeno baixo tamanho e baixo VPA/P do que um fenômeno IPO.
Gompers e Lerner (2003) focaram a análise em ofertas mais antigas, começando em 1935 e indo até 1972. Os autores mostram uma interessante comparação entre cálculo de retornos anormais por Comprar e Segurar (BHAR) e por Retornos Anormais Cumulativos (CAR) (ver esse pdf bem educativo). Com o primeiro método, há evidências de desempenho negativo; no segundo, não. Fama (1998) argumenta que o CAR é preferível ao BHAR; deixarei para tratar dessa questão no futuro. Separando as ações em 25 carteiras na matriz tamanho x VPA/P, há evidências de retornos anormais negativos na parte inferior da matriz (baixo tamanho, baixo VPA/P), sem que nenhum outro padrão surja. Os autores fazem a análise pelo modelo de três fatores, indicando alfas positivos e significativos (se a ponderação dos retornos for igual) ou indistinguível de zero (se a ponderação for por valor). O que indicaria que talvez o desempenho negativo relatado por nos artigos anteriores seja algo específico do período pesquisado (após 1972). Em suma, os resultados são muito sensíveis à metodologia empregada e (novamente) talvez os resultados negativos das ofertas iniciais não seja algo específico de ofertas iniciais, e sim de um período de tempo e de um determinado tipo de empresa.
No curto prazo, está claro que as ofertas iniciais, em média, têm um rendimento no primeiro dia superior, o que poderia sugerir se tratar de uma anomalia da hipótese de mercados eficientes. Isso, porém, não ocorre, por conta do rateio. No caso brasileiro, se um investidor reservasse R$ 300 mil em todas as ofertas desde 2004, teria um ganho de apenas 10,46%. Isso acontece porque, em geral, ofertas com maior rateio (e menores alocações) sobem mais no primeiro dia, o que indica que seria possível uma rentabilidade maior com menor capital. Ou seja, uma estratégia baseada apenas em aproveitar os retornos de curtos prazos não produz resultados anormais positivos de forma consistente. No longo prazo, as evidências são mistas e pode ser que um mau desempenho das ofertas iniciais seja menos algo específico de ofertas iniciais e mais um mau desempenho (restrito a um período, talvez) de empresas de baixo tamanho e baixo VPA/P, de forma que, como afirma Fama (1998), não dê para classificar tão certeiramente o mau desempenho de ofertas iniciais como uma anomalia à hipótese de mercados eficientes.
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