Dividendos: O ideal desconhecido
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Dividendos: O ideal desconhecido


No que se refere a investimentos/poupança, nada causa mais confusão do que os dividendos. Nesse texto, algumas dessas confusões.

1) Rendimento com dividendos (dividend yield) elevados, mais do que SELIC, é como se fosse renda fixa, contando ainda com o ganho de capital como um extra

É comum ver argumentos como o enunciado acima. Uma ação que pague dividendos elevados é comparado com a renda fixa e o ganho de capital viria como um brinde, um “plus a mais”, como diria o outro.

O rendimento de uma ação é o rendimento com dividendos mais ganho de capital em qualquer caso, a empresa pagando muito ou pouco dividendo em relação ao seu valor de mercado. Se a empresa estiver corretamente precificada, seus rendimentos totais serão iguais ao custo de capital próprio (ver item abaixo). Se o rendimento for diferente, é porque a ação estava incorretamente precificada (ou novas informações mudaram o valor da empresa), não porque pagou mais ou menos dividendos.

2) Reinvestir dividendos aumenta o rendimento.

Isso é incorreto, como já mostrado aqui.

3) Quem reinvestir dividendos terá mais dinheiro do que quem não reinveste.

Essa afirmação até é correta, mas, de tão óbvia, é completamente inútil. Terá mais quem manter todo o dinheiro investido (que é o que acontece quando se reinveste) do que quem gastar um pouco de vez em quando (como acontece quando se usa dividendos para outra destinação). Se eu tenho um bolo e abdico de consumi-lo hoje, não surpreendentemente poderei comer mais bolo no futuro do que poderia se comesse um pedaço dele hoje.

Porém, não preciso reinvestir na mesma empresa, posso investir em qualquer outra e manter o mesmo capital aplicado. Procedendo dessa forma, posso ter mais ou menos no futuro do que se reinvestisse, dependendo do outro investimento render mais ou menos.

Ver aqui.

4) Quem não reinveste dividendos será aniquilado no longo prazo.

Essa é uma das frases mais curiosas que já li em tempos recentes, e também enormemente errada. Ora, se todos reinvestirem os dividendos para comprar mais ações, quem vai vender? Se é do maior interesse dos acionistas reinvestir os dividendos (o instinto mais básico é o de garantir a sobrevivência, não ser aniquilado), então para que distribuir, em primeiro lugar? Ao invés de distribuir dividendos, a empresa poderia aumentar o capital e distribuir ações para seus acionistas e todos garantirão que não serão aniquilados a um custo muito menor.

Os grandes acionistas não reinvestem dividendos, já que teriam que ficar informando isso à CVM e seus movimentos podem afetar muito o mercado. Agentes interno (diretores, conselheiros etc.) à empresa talvez não possam reinvestir o dividendo assim que a ação se tornar ex-dividendo. Não conheço grande acionista ou agente interno que tenha sido aniquilado por ter deixado de reinvestir seus dividendos.

A frase é bonitinha, mas altamente ordinária.

5) Se eu reinvestir os dividendos, terei uma proporção maior do capital da empresa.

Como mostrado acima, isso não aumenta nem diminui o retorno da carteira do acionista. O fato da proporção aumentar só seria significativo se as ações tivessem valor além do valor monetário. Com coleções sem a intenção de vender os objetos, quanto mais objetos tivermos, melhor. Porém, ação não é objeto de coleção e o único valor que possui é seu valor monetário. Poderia ser relevante pelo poder de voto que a ação possui (se possuir), porém, para o pequeno acionista o aumento via reinvestimento de dividendos será pequeno demais para aumentar seu poder de voto.

6) Quando a ação fica ex-dividendo, há oportunidades de ganho sem risco.

O erro mais comum no começo da prática de qualquer investidor. Também, tema de um dos primeiros textos deste blog.

7) Quando a ação fica ex-dividendo, o valor não é afetado, mas o preço fica mais atrativo porque o PL caiu.

Isso também já foi mostrado aqui, mas implicitamente. Um menor P/L por conta de um menor preço ex-dividendo não significa que a ação ficou mais barata. Se corretamente precificada, o rendimento esperado é o custo do capital próprio. A ação pode não estar corretamente precificada, mas a distribuição de dividendos, por si só, não causa nenhuma distorção nos preços.

8) “Invista em empresas boas pagadoras de dividendos”. “Hm... e se a empresa não distribuir dividendos?”. “Não invista em empresas que não distribuem dividendos !!!”

Esse enunciado é a transcrição (nada fiel) de um diálogo envolvendo um analista (“analista”?) de mercado.

Sim, por exemplo: a Microsoft abriu capital em 1986 e ficou por 17 anos sem distribuir dividendos. Essa empresa má pagadora de dividendos transformou seu principal acionista e fundador no homem mais rico do mundo. Porém, não é boa o suficiente para o nosso simpaticíssimo analista.

9) Pagando dividendos, a empresa reparte seu lucro com os acionistas

A leitura de um outro texto meu deixa claro que essa frase não possui sentido algum. A empresa não tem lucro, o lucro é dos acionistas. E o verbo “repartir” tem uma conotação de altruísmo, ou seja, parece dizer que a empresa ou seus administradores distribuem dividendos por bondade no coração, para compartilhar a riqueza deles com outros, o que não ocorre.

10) Empresas boas pagadoras de dividendo são melhores

Os três principais critérios que utilizam para definir uma boa empresa (seja lá o que isso for) são: sólida, de bons fundamentos e boa pagadora de dividendos. Seja lá o que esses três critérios signifiquem, o último não é procedente.

Empresas não são “más pagadoras” de dividendos porque são más empresas ou malvadas. As empresas retêm dividendos caso precisem desse dinheiro para investir em projetos rentáveis (com VPL positivo, com taxa interna de retorno superior ao custo de capital etc.) ou mesmo para reinvestirem na manutenção da empresa. Há uma certa discricionariedade nas decisões de dividendos, mas, de forma geral, não se distribui pouco dividendo porque alguém quis, mas porque é necessário e vantajoso fazer isso.

Claro que também falam e escrevem muitas coisas verdadeiras sobre esse assunto, tema de um futuro (possível) texto.



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