Marcas e Empresas
Fluxo de Caixa Negativo
Em uma avaliação que vi recentemente, fez-se uma análise de sensibilidade que mostrou que quanto maior a taxa de desconto, maior o valor da empresa. Quanto maior o desconto, maior o valor? Como isso é possível?
O problema dessa avaliação foi ter adotado fluxos de caixa negativos para a empresa, representando pagamentos de contingências futuras, sendo que há caixa disponível para pagar essas contingências.
Ao estudar avaliação de empresas, pensa-se aprender diversos modelos de fluxo de caixa descontado. Na verdade, são modelos quase idênticos que deveriam dar o mesmo resultado. Normalmente, começa-se o aprendizado pelo modelo de desconto de dividendos, passando pelo modelo de desconto de fluxos de caixa ao acionista e depois para o modelo de desconto de fluxos de caixa da empresa (existem ainda o APV, EVA e outros modelos, menos ensinados). Os dois primeiros modelos derivam da mesma idéia, descontar fluxos de caixa recebidos pelos acionistas, só diferindo em como se calcula esses fluxos. No primeiro modelo, presume-se, em geral, que os dividendos passados são uma boa base para os dividendos futuros e o que se faz é estimar como os dividendos crescerão. Esse modelo pode ser adaptado para incluir outras formas de devolver dinheiro aos acionistas (recompra de ações, por exemplo). No segundo, estima-se o quanto a empresa poderia pagar de dividendos e presume que pagará o máximo que puder após as necessidades de reinvestimento. Mas, no fundo, derivam da mesma idéia, trazer a valor presente fluxos de caixa que serão recebidos pelos acionistas.
Essa é a idéia de um fluxo de caixa positivo. Qual é a de um fluxo de caixa negativo? Mutantis mutandis, é a mesma. Mas, faz sentido um dividendo negativo? Claro que não, mas a idéia seria a de que os acionistas teriam que fazer um aporte na empresa nessa situação. Ao invés de receber da empresa, o acionista deve pagar à empresa uma certa quantia.
Fica mais claro pensando em uma empresa desde o início. Imagine que o empreendedor aporte $2.000 (fluxo de caixa negativo em d0) e invista $1.500 em equipamentos e capital de giro em d0, o restante ficando em caixa. Em d1, há um fluxo de caixa negativo calculado em $200, o caixa sendo reduzido para $300 para pagar seja lá o que tornou o fluxo de caixa negativo. Quanto o empreendedor recebe em d1? Se a empresa fizer o certo, não pagará dividendo algum, não tendo gerado resultado algum em d1. Mas saiu dinheiro do bolso do empreendedor? Também não. O fluxo de caixa ao acionista é zero em d1: ele nem recebeu dinheiro da empresa, nem teve que aportar.
Se o empreendedor tivesse aportado $1.500 em d0, teria que aportar mais $200 em d1 de forma a pagar seja lá o que tenha tornado o fluxo de caixa negativo, se não, a empresa fica inadimplente e pode ser decretada sua falência. Nessa situação, faz sentido usar o fluxo de caixa negativo.
O mesmo se aplica para todas as empresas. O que confunde é pensar no fluxo de caixa que será usado no modelo de avaliação como o fluxo de caixa que a empresa tem. Não: é o fluxo de caixa do acionista. Não importa o quanto entra ou sai do caixa da empresa, e sim o quanto entra ou sai no bolso do acionista (dois conceitos obviamente relacionados, mas distintos).
No exemplo mote desse texto, seria possível utilizar fluxos de caixa negativos. Porém, seria necessário mudar a situação projetada. No primeiro fluxo de caixa, a empresa distribui todo o caixa disponível. No segundo fluxo de caixa, não tendo dinheiro para pagar o passivo, terá que receber um aporte do acionista, nessa situação havendo um fluxo de caixa ao acionista negativo. Além disso, na situação projetada inicialmente, a taxa de desconto que deveria ser utilizada é 100% do CDI, já que os rendimentos tomam como base 100% do CDI e os passivos possuem valor certo, livre de incerteza (as contingências são “quase certas” que virarão despesas e seu valor, pelo que consta, não muda).
Nesse caso específico, talvez seja possível que uma taxa de desconto maior (aumentos no CDI) resulte em valor maior para a empresa, já que todo o rendimento toma como base o CDI, as despesas são fixas, a base de rendimentos vai diminuindo e os fluxos têm tempo de vida curto. Mas isso não está em contradição com a idéia bem estabelecida de que custo de capital mais elevados diminuem o valor da empresa. Essa redução de risco está relacionada com o risco: um ativo que covarie com a situação econômica traz risco ao investidor, já que, em uma recessão, sua perda será dupla (a situação econômica lhe deixará mais pobre e ainda há a perda de valor dos seus investimentos) e, por isso, esse investimento deverá ter taxa de retorno exigida maior e, conseqüentemente, menor preço (a taxa de retorno é maior porque o preço é menor). Mas não há relação entre a magnitude dos fluxos de caixa e o custo de capital (o fluxo de caixa, a priori, não é afetado por maior ou menor aversão a risco). No exemplo, é possível que maior taxa de desconto resulte em maior preço já que maior taxa de desconto (nesse caso) implica maiores fluxos de caixa.
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