Marcas e Empresas
Função objetivo da empresa
Michael Jensen publicaria um texto com críticas à revisão da função objetivo da empresa proposta pela teoria dos stakeholders, cuja principal falha é exigir múltiplos objetivos sem especificar um rumo de ações a tomar. Apesar das críticas, o autor não descarta de todo a utilidade da teoria dos stakeholders.
O texto começa com a estruturação lógica do problema. Está certo que a empresa deve objetivo. 1) Deveria ter apenas um objetivo? 2) Se sim, deveria ser o da maximização do valor ao acionista?
Muito se tem debatido (rigorosamente ou não) sobre a segunda pergunta, mas a falha na discussão começa com a primeira. A resposta (irrefletida, em muitos casos) a essa pergunta costuma ser não, a empresa deve ter mais de um objetivo, não se deve “privilegiar” nenhum público. Porém, em termos práticos, é impossível ter mais de um objetivo.
Um paralelo não muito distante ajuda a entender melhor a questão. É possível pensar no objetivo da empresa tal como se pensa em Pesquisa Operacional: é dada uma função objetiva maximizadora ou minimizadora e uma série de restrições ("maior do que", "menor do que", "igual a") que devem ser respeitadas. Esse problema não poderia ser formatado apenas em termos de atingir metas ou respeitar limites, já que é possível fazer isso de diversas maneiras. Uma função objetiva define qual maneira é a mais desejável, uma vez alcançada as demais restrições.
Alguns exemplos. O objetivo de maximizar valor para o acionista cria critérios claros para a gestão de estoques, política de remuneração e os gastos com controle de poluição. Os estoques incluem dois custos, o custo de estocagem (que afeta o acionista) e o custo de perda de vendas (que afeta o cliente também). É possível maximizar o valor para o acionista, mantendo um estoque que equilibre esses dois custos, ou maximizar o bem-estar dos clientes, mantendo gigantescos estoques de todos os produtos possíveis de forma que nunca falte produto. A política de remuneração opõe acionistas (que desejam pagar o mínimo eficiente) e empregados (que desejam ganhar o máximo). A maximização de valor ao acionista toma a decisão com base em questões como satisfação, motivação, retenção, atração e produtividade buscando, com isso, aumentar o valor da empresa. Os administradores definem os gastos com redução na poluição procurando minimizar o custo (para a empresa), sujeito a legislação que estabelece sanções e impostos por conta dos níveis de emissão de poluentes da empresa.
Afirmou-se a necessidade de um objetivo único, mas nada foi dito sobre qual deveria ser. O objetivo “socialmente” desejável é maximizar o valor que a empresa agrega para a sociedade (Benefícios – Custos). O autor argumenta que maximizar esse valor é maximizar o valor da empresa e a o bem-estar ótimo da sociedade é alcançado quando todas as empresas buscam maximizar o seu valor. A ressalva é que isso só acontece quando não existem externalidades negativas ou monopólio. Externalidades negativas são ações tomadas por uma pessoa ou organização que prejudica um terceiro que não é compensando proporcionalmente por esse prejuízo.
Na argumentação do autor: a empresa gera valor social ao produzir bens ou serviços que são mais valiosos para os consumidores do que o preço pago, que por sua vez é maior do que os custos incorridos na produção do bem ou na prestação do serviço. Dessa forma, a empresa irá tomar uma unidade monetária a mais de fatores de produção (mão de obra, matéria prima, etc.) na medida em que isso possibilite aumentar a produção em uma ou mais unidade monetária, isso tudo em termos de preços unitários e quantidades. Essa nada mais é do que a regra maximizadora de lucro, onde procura-se igualar receita marginal ao custo marginal.
Outra forma de se verificar isso é pela Demonstração de Valor Adicionado. O valor que a empresa adiciona é a Receita Bruta menos os Custos dos Insumos menos Retenções (Depreciação, Amortização e Exaustão) menos Equivalência Patrimonial. O importante é a subtração dos custos (exceto mão de obra) à receita, chegando a algo parecido com a regra maximizadora de lucro.
A mudança de maximização de lucro para maximização de valor se dá pelo custo de oportunidade do capital. A empresa irá utilizar seus recursos e, na medida do possível, captar recursos enquanto a rentabilidade dos projetos de investimento for maior do que o custo de oportunidade sobre o capital.
A falta de um critério definido cria como resultado, nas palavras de Jensen, “confusão e falta de propósito que irá deixar em desvantagem a empresa em sua competição pela sobrevivência”. Beneficiam-se dessa falta de critérios os altos administradores que podem usar os recursos da empresa da forma que eles consideram melhor (para eles próprios) sem sofrer punições por conta de não atingir objetivos.
A existência de um objetivo único não torna o gerenciamento fácil, só o deixa administrável. O autor sugere a troca da expressão “maximizar valor” por “procurar valor”, já que, na vida real, é muito difícil assegurar uma solução ótima maximizadora. “Valor” é diferente de preço das ações, não podendo ser observado diretamente (como se faz com o preço) e também de difícil mensuração. De todo modo, sabe-se que rumo a empresa deve tomar, quais os critérios das decisões.
Algo semelhante pode ser aplicado às entidades sem fins lucrativos. Essas entidades irão utilizar recursos da sociedade na medida em que isso continue a gerar mais benefícios para a sociedade do que custos. Como o valor adicionado para a sociedade é o Excedente do Consumidor (diferença entre o preço que as pessoas estariam dispostas a pagar, que é o benefícios, menos o preço efetivamente pago) mais o lucro do produtor (Preço – Custos), todo o valor adicionado pelas entidades sem fins lucrativos vai para Excedente do Consumidor (o público que a entidade deve atender), supondo que a entidade seja de boa fé.
Então, foi dito que é necessário que haja um objetivo singular para a empresa e que esse objetivo deve ser a maximização de valor ao acionista porque isso maximiza o bem-estar social (dentro de certas condições). O autor então propõe a Teoria dos Stakeholders Esclarecida e a Teoria da Maximização do Valor Esclarecida (“esclarecida” semelhante à “déspota esclarecido”): que a empresa só consegue atingir seu objetivo social de maximização de valor se leva em conta os interesses de outras partes que interagem com a empresa (os stakeholders).
O autor também tratou da ferramenta gerencial do Balanced Scorecard de uma maneira semelhante ao tratamento dado à Teoria dos Stakeholders, mas isso não será aqui discutido.
O autor termina caracterizando a Teoria dos Stakeholders não esclarecida como uma tentativa de legitimar o uso de meios estranhos ao mercado para realocar riqueza de uma forma que o socialismo tentou e fracassou. O resultado de uma adoção ampla dessas idéias (como já havia argumentado o autor) será a redução no bem-estar social (quando o desejado era o oposto).
Algumas observações minhas:
1 – O autor aceita que os acionistas sejam caracterizados como stakeholders da empresa que lhes pertence. Acionista não pode ser stakeholder da empresa, da mesma forma que o trabalhador não é apenas mais um stakeholder de seu próprio capital humano.
2 – Não é só com monopólio que há perda de bem-estar social. O poder de mercado em qualquer forma reduz bem-estar ao impor menor produção e maiores preços. Também, a inexistência de externalidades negativas é uma premissa irrealista. Nos dois casos, é mais papel dos governos intervir no poder de mercado e nas externalidades negativas do que das empresas (como argumenta o autor).
3 - Além de refutar a redefinição do objetivo da empresa proposta pela teoria dos stakeholders, Jensen refuta a redefinição do objetivo como "maximizar participação de mercado". A empresa líder de mercado que também procura maximiza valor chega a esse estado por ser mais eficiente do que as demais. É possível virar líder destruindo valor, baixando preços, investindo demais em produção ou P&D ou gastando demais em propaganda, por exemplo. A liderança, nesse caso, não passa de uma vitória de Pirro.
Value Maximization, Stakeholder Theory, and the Corporate Objective Function.
Michael Jensen (Journal of Applied Corporate Finance, Volume 14, Nº 3, 2001)
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