Em texto anterior, analisei as ideia de Milton Friedman sobre responsabilidade social das empresas, com foco no acionista. Max Clarkson escreveria um artigo que colocaria o objetivo da empresa como atender às demandas de partes interessadas.
Este é um artigo bastante diferente do artigo de Friedman, porém em um ponto os dois concordam. Reconhecem que a discussão sobre a responsabilidade social é vaga, mal definida e muito ampla. Os propósitos de cada um, porém, diferem: Friedman retirou qualquer importância dessa questão e Clarkson propõe uma conceituação melhor e coloca essa idéia como central na administração das organizações.
O texto se propõe a: resumir as abordagens sobre o tema; fazer algumas conceituações importantes; tirar algumas conclusões oriundas das pesquisas do autor. A primeira parte, a revisão das abordagens passadas, não será tratada aqui.
Na parte “Discussões das conclusões da pesquisa”, o autor define como questões sociais aquelas que a sociedade considera como tal e age para que as pessoas e as instituições levem-nas em conta através de legislação e regulação. As empresas, então, têm a responsabilidade sobre questões que a sociedade exija, explicitamente, que tenham (isso define a Responsabilidade Social das Empresas). Mas varia o grau com que as empresas respondem a essas questões (“Responsividade” Social). As empresas podem reagir a isso de uma forma reativa, defensiva, acomodativa ou proativa.
Como exemplos, a sociedade considerou relevante tratar da questão da poluição e dos direitos do consumidor e, através de seus representantes (os políticos), instituiu leis e códigos sobre os assuntos. As empresas, a partir desse ponto, possuem responsabilidade sobre esses temas e devem responder a eles da maneira que preferirem. Um exemplo mais concreto (citado pelo texto) é o do Tylenol da Johnson & Johnson, que precisou de um recall e os próprios funcionários agiram rapidamente, antes mesmo de a empresa ser acionada pelos órgãos reguladores. A empresa tem responsabilidade social sobre os seus produtos e reagiu de forma proativa sobre isso.
Porém, as empresas não deveriam ser recompensadas de forma alguma por isso. Seguir as normas e leis vigentes não diferencia o desempenho das empresas. O autor passa então a definir o terceiro conceito importante, Desempenho Social das Empresas, como aquilo que a empresa faz sem que tenha obrigação legal de fazer, em outras palavras, sem que seja uma imposição da sociedade. Mas, sobre quais questões irá a empresa se preocupar, de tantas existentes? Aquelas relacionadas a pessoas e instituições com as quais a empresa interage.
E eis que entra em cena o conceito de stakeholder (partes interessadas, públicos estratégicos, não há uma tradução consensual). O autor define os stakeholders como “pessoas ou grupos que tenham, ou exijam, direitos de propriedade ou interesses na empresa, em suas atividades passadas, presentes ou futuras”.
Há ainda a distinção entre stakeholders primários, sem os quais a empresa não pode sobreviver, e stakeholders secundários, definidos como aqueles que são afetados ou afetam a empresa, mas que não são essenciais. Exemplos de primários são acionistas e investidores (sic), empregado, clientes e fornecedores. Exemplos de secundários são a mídia, as agências de classificação de risco e terroristas (por mais surpreendente que possa parecer). O desempenho social, então, passa por atender de forma satisfatória esses stakeholders, principalmente os primários.
Feitas essas conceituações bastante úteis, o autor passa a fazer uma definição da empresa e do objetivo da empresa.
1 – A empresa é um sistema de stakeholders primários.
2 – O objetivo da empresa é criar e distribuir valor suficiente para cada stakeholder de forma a garantir que cada stakeholder continue a fazer parte do sistema corporativo.
3 – A falha em reter um stakeholder primário irá resultar na falência do sistema corporativo e sua incapacidade em continuar a existir.
4 – A falha em reter a participação de um stakeholder é resultado da incapacidade de criar e distribuir valor suficiente para esse stakeholder ou a distribuição de valor para um em detrimento dos outros.
5 – Sucesso ou fracasso é um processo demorado e é possível antecipar satisfação ou insatisfação dos stakeholders.
E três proposições:
1 – Na falência ou concordata de uma empresa, é possível mostrar que um ou mais stakeholders se retiraram do sistema.
2 – Uma empresa com lucros acima da média da indústria de maneira consistente cria valor a seus stakeholders.
3 – Uma empresa com lucros abaixo da média da indústria de maneira consistente destrói valor de seus stakeholders.
O autor propõe como métrica a “satisfação dos stakeholders” (sem dizer bem do que se trata essa métrica). Uma forma de medir isso é fazer uma pesquisa com representantes de cada grupo sobre os níveis de satisfação com o valor recebido.
A conclusão é uma redefinição do objetivo da empresa (conforme ponto 2 acima das proposições) em substituição dos indicadores dos acionistas como preço das ações, dividendos ou lucro.
Algumas observações:
1 – Tratar o acionista como stakeholder é um erro. É a volta do uso incorreto do termo “empresa” como se fosse algo auto-dirigido, auto-interessado. É também a expropriação conceitual dos acionistas. Stakeholders devem ser considerados tomando como referência as operações da empresa que pertence aos acionistas.
2 – Em certo ponto, o autor fala em “acionistas e investidores”. É, no mínimo, uma redundância. Talvez o autor quisesse tratar por “investidores” os investidores em títulos de renda fixa da empresa, mas as palavras bondholder ou credor seriam infinitamente melhores.
3 – O autor fala em “valor suficiente”. Essa é a maneira inadequada de se tratar dos objetivos das pessoas ou grupos. Um valor suficiente pode ser atingido de inúmeras formas, umas mais outras menos eficientes. O objetivo deve ser algo que diga qual dessas formas é preferível.
4 – A questão apontada por Friedman sobre o problema de agência sequer foi abordada no texto. É dito que o objetivo da empresa (portanto, de seus administradores) é gerar valor para uma miríade de interessados e o principal (acionista) é só mais um desses interessados. Empregados e clientes não são principais dos administradores (são agentes e principais deles mesmos) e fornecedores têm um principal (seus acionistas, assim como clientes corporativos) e deveriam agir para atingir o objetivo deles.
A Stakeholder framework for analyzing and evaluating corporate social performance
Max E. Clarkson (Academy of Management Review, 1995)
Fonte da imagem: Wikipédia
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