O Bônus e a Crise
Marcas e Empresas

O Bônus e a Crise


Um dos vilões apontados da crise do subprime é a ganância, manifestada na forma de bônus polpudos para executivos das empresas agora em dificuldades. Verdadeiro ou falso?

Primeiro, uma explicação sobre a razão de ser do bônus. No início, os funcionários (incluindo altos executivos) eram remunerados exclusivamente com um salário fixo. O problema dessa prática é que não cria incentivos para que os funcionários se esforcem (com ou sem esforço, o salário é o mesmo) ou corram riscos pelos quais serão cobrados depois. O resultado prático disso é baixa produtividade (pelo baixo esforço) e a tomada de decisões excessivamente conservadoras que desperdiçam boas oportunidades que deveriam ser exploradas.

Para resolver esses problemas, foram introduzidas práticas de remuneração variável. As suas formas mais simples são comissões de vendas (que incentivam os vendedores a se esforçarem mais para venderem mais) e remuneração por desempenho (por exemplo, porcentagem de novos produtos na receita total). Para alta direção, existem formas mais sofisticadas como bônus por resultados (porcentagem do lucro, comumente) ou stock option (direito de comprar ações por um determinado preço após uma determinada data). A idéia da remuneração variável para altos executivos é alinhar os interesses dos administradores e dos acionistas para quem eles trabalham. Com isso, idealmente, passam a ter objetivos em comum, maximizar o valor da empresa.

Duas questões são levantadas por qualquer método de remuneração variável: toda atividade remunerada é importante para se alcançar os objetivos da empresa? Toda atividade que diz respeito aos objetivos é remunerada? A negativa para uma ou para as duas questões pode criar problemas.

Voltando ao contexto da crise. A remuneração baseada em lucro foi um problema já que remunerou atividades que se provaram destruidoras de valor ao aumentarem enormemente o risco das empresas. Incentivos de curto prazo criam incentivos para que os funcionários aumentem os lucros ou as receitas no presente, mesmo que isso possa vir a trazer problemas para a empresa no futuro. As conseqüências negativas, que agora foram evidenciadas, poderiam ser ignoradas, pois eles eram remunerados para correr riscos, mas não poderiam ser penalizados caso isso resultasse em perdas (não teriam bônus ou seriam despedidos, mas, em geral, não precisariam devolver o que receberam). Esse é o risk taking sem risk bearing.

Isso tudo não é novo e não se observou empiricamente esses problemas só agora. O problema maior foi de governança. Os acionistas não interferiram na política de remuneração e deixaram que o sistema que privilegia os resultados de curto prazo fosse instalado. O que hoje muito se fala de “say on pay”, a prática dos acionistas de opinarem sobre a remuneração de seus agentes, já deveria ser algo normal.

Um outro fato que explica a ocorrência das elevadas bonificações, mesmo quando as empresas já estavam tendo prejuízos, é a intensa concorrência pelos melhores administradores. Para conseguir atrair os melhores talentos, as empresas passaram a oferecer bônus a seus executivos antes mesmo que esses começassem a trabalhar. Muito do alarde sobre a AIG tem origem nesse bônus de entrada.

Para terminar, referências sobre o assunto, em geral e no caso particular do subprime:

Economia da Estratégia (Besanko, Dranove, Shanley e Schaffer): Os capítulos 14 e 15 tratam da questão dos incentivos dentro da empresa, tanto explícitos (definidos em contratos, bônus, por exemplo), quanto os incentivos implícitos (que dependem de julgamento subjetivo ou de uma entidade incontrolável, como promoções e stock options, por exemplo). Tratam também das duas questões abordadas no 4º parágrafo deste texto (ação oculta e informação oculta).

Microeconomia (Pindyck e Rubinfeld): Os autores abordam a questão no contexto da assimetria de informações e risco moral. Os administradores são melhores informados sobre seu próprio esforço e sobre os resultados esperados de seu trabalho. Não é possível que os acionistas definissem uma política de remuneração com base em critérios observáveis (empenho, dedicação, etc.), por causa dessa assimetria de informação. A solução seria atrelar a remuneração aos resultados da empresa (lucros, valor das ações, etc.).

Revista Capital Aberto nº. 62: A reportagem mostra o quanto essa questão é antiga (no começo do século XX, a DuPont começou a remunerar os funcionários com ações) e cita algumas melhorias aos programas de remuneração variável. O bônus por lucros poderia ficar retido e ser pago somente se os resultados alcançados forem sustentáveis. Ou o parte do bônus poderia ser convertido em ações que só poderiam ser vendidas no futuro. As stock options devem ser exercidas somente passado um longo tempo (o vesting period deveria ser aumentado).

Revista Exame nº. 939: Essa reportagem acrescenta como um dos problemas (além dos já citados na Capital Aberto) o bônus de entrada, um prêmio para que o executivo aceite trabalhar na empresa (já tratei disso). Fala também dos problemas das stock options que perdem o poder de estimular quando se encontram underwater (com preço de mercado muito abaixo do preço de exercício, muito fora do dinheiro, na terminologia das opções financeiras). Cita como melhorias para a remuneração variável as cláusulas de clawback (a possibilidade da empresa tomar de volta o bônus caso as decisões tenham se mostrado ruins), a troca das stock options por ações que não podem ser vendidas por um tempo e o say on pay. A proposta de aumentar a proporção de salário fixo pode resultar em um aumento no conservadorismo que talvez não seja interessante.

Remuneration: Where we´ve been, how we got there, what are problems, and hot to fix them (Michael Jensen, disponível aqui ): Não cheguei a ler, mas é sobre o assunto e parece bom.




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